terça-feira, 15 de janeiro de 2019

Artigos & Resenhas - EP Carcere / Gandharva - Por Luiz Domingues


Olá pessoal!

Estamos de volta com mais uma coluna Artigos e Resenhas aqui no nosso site. Mais uma vez temos uma matéria do sensacional Luiz Domingues, na qual ele nos fala um pouco sobre o EP Carcere da banda Gandharva, vale a pena conhecer os trabalhos destas bandas indicadas pelo amigo Luiz. 

A matéria original pode ser encontrada neste link.
http://luiz-domingues.blogspot.com/2016/01/ep-carcere-gandharva-por-luiz-domingues.html

Lembrando que o nosso amigo possui três blogs diferentes que estão nos links abaixo.
http://luiz-domingues.blogspot.com.br/
http://blogdoluizdomingues2.blogspot.com.br/
http://luizdomingues3.blogspot.com.br/

Um breve release do Luiz feito pelo próprio:
Sou músico e escrevo matérias para diversos Blogs. Aqui neste Blog particular, reúno minha produção geral e divulgo minhas atividades musicais. Como músico, iniciei minha carreira em 1976, tendo tocado em diversas bandas. Atualmente, estou atuando com Os Kurandeiros.

Sem mais, vamos ao texto do Luiz

EP Carcere / Gandharva - Por Luiz Domingues


Como eu sei que as aparências enganam, não me deixei levar por deduções precipitadas assim que recebi o EP (para quem não sabe, trata-se um disco com uma porção mais reduzida de canções do que um CD tradicional), “Carcere”, do Gandharva, uma banda paulista vinda de Atibaia, no interior, mas logo aí, bem pertinho da capital de São Paulo.
Isso porque o título da obra, e a ilustração da capa em si, sugeriam algo explicitamente claustrofóbico, com um ar angustiante de liberdade limitada. Numa imagem difusa, uma pessoa com feições indefinidas, está na janela aparentando estar num momento de agonia, sem escapatória e cercada de mãos ameaçadoras que denotam opressão, violência, ameaça...
Em outras épocas, sem a prudência que o avançar da idade me trouxe como bônus de experiência de vida acumulada, eu já chegaria à conclusão que o trabalho da banda rezava pela cartilha do Punk-Rock ou do Heavy-Metal, mas antes de fazer conjecturas antecipadas, coloquei o disco para tocar e aí, a sonoridade surpreendeu-me agradavelmente.


Da esquerda para a direita : Anderson Xavier (bateria); Nikolas Rupa 
(Voz e Violão); Wellington Pires (Percussão e Voz), e Marc Matherson (baixo)

O Gandharva já inova pela formação primordial, pois consiste de violão; baixo; bateria, e percussão, portanto a ausência de uma guitarra já se mostra como algo não usual, numa primeira leitura.
Ouvindo canção após canção, verifica-se que a sonoridade é leve, mas não se furtam a alguns momentos mais pesados, e mesmo sem o “drive” da guitarra, expressam densidade de uma forma bastante convincente.
Outro ponto importante é que a banda apresenta múltiplas influências boas, portanto dentro desse ecletismo, alcançam um resultado que agrada em cheio ouvintes de orientações sonoras díspares entre si, sem nenhum problema. Ótimos músicos, imprimem uma condução cheia de swing em vários momentos do disco; densidade dramática em outros, como já mencionei, e delicadeza, com muitas sutilezas harmônicas e melódicas através dos bons arranjos que criaram coletiva e individualmente.


Gostei também da interpretação vocal e das letras, com questões de ordem existencialistas na maior parte do tempo, e aí justifica-se o título do álbum, e a concepção da capa, exprimindo a ideia da angústia; cerceamento da liberdade; falta de perspectivas etc. 
Mesmo abordando temas sombrios, não achei que o astral abaixou ao ouvir as canções, e pelo contrário, é uma audição agradável pela qualidade musical que conseguiram criar e executar.

A primeira faixa,“Me Faça”, tem uma levada de Blues-Rock, mas com concepção moderna, densa. Gostei muito da percussão criativa de Wellington Pires, e de fato, um percussionista de ofício e que se proponha a pensar seus arranjos no contexto das canções, tem que ser aplaudido, pois tais intervenções se jogadas a esmo, podem até estragar o resultado final de uma gravação, mas aqui, muito pelo contrário, caem como uma luva. A voz de Nikolas Rupa, que também é o violonista da banda, mostra-se agressiva, arranhada, com forte emissão e dá o recado com contundência. Tem uma guitarra dando apoio, mas que na verdade se trata de um violão, que passou por plug-ins de simulação de amplificadores e foi executado pelo músico convidado, Filipe Rocha. Gostei das suas intervenções delicadas com solos de timbres limpos, e um bom uso de slide. A bateria de Anderson Xavier é enxuta, gostei muito da precisão e da clareza dos timbres agudos dos tambores e caixa. Marc Matherson faz um baixo encorpado, muito seguro, realçando bem a condução das canções. Segura tudo na retaguarda, garantindo uma direção firme para a banda.

Já na segunda faixa, “Vida Longa”, uma bela incursão por algo próximo da MPB, com influências boas e nítidas. Numa excelente condução do violão, os demais vão junto e passeiam pelas dinâmicas interessantes que a canção oferece. Mais um vez uma guitarra limpa, e que lembrou-me o timbre de Mark Knopfler, trouxe colorido à canção. A voz do percussionista Wellington apoia em duo em alguns momentos, tornando a melodia ainda mais incisiva. Gostei da letra, bem poética :

“Vasto vento sopra o corpo todo em movimento”...
“Cada despedida, cada tentativa, um dedo na ferida”...

Na terceira faixa, “Carcere”, que dá título ao EP, eis o peso que mencionei no início da resenha. Denso, trata-se de um riff que lembra muito o som grunge dos anos noventa, notadamente de uma banda como o “Alice in Chains”. Gostei bastante da melodia e a mudança brusca da parte “A” para o refrão, saindo da densidade soturna, para algo bastante doce, melódico. Tem um teclado sutil, lá no fundo da mixagem, colocado como uma sombra quase imperceptível, mas que dá um incrível colorido à canção. O baixo de Matherson desenha bonito, numa linha bastante criativa, e a percussão alterna momentos de explosão incríveis na condução das congas, com calmaria em outros instantes, portanto, eu curti muito esse arranjo. Apesar do título, a letra não descamba para coisas angustiantes, embora marque presença, com personalidade.   

“Não aceito mais teu jogo sujo,
Não me aceito mais me ver no escuro
Não aceito mais me ver de luto”...

Gostei do forte sabor Folk da canção “Vida Nova”, mas mesclado ao Rock urbano. Nos momentos mais rurais, as cordas e a percussão brilham, trazendo dedilhados do violão dos mais agradáveis e na parte mais pesada, mais uma vez as sonoridades mais modernas se fazem presentes. Interpretação vocal visceral de Rupa, tem letra muito interessante. Gostei bastante da frase “Tem gente com medo que o medo, acabe”, pois isso é muito perturbador de se ouvir, mas é uma das maiores verdades para quem vive a loucura da vida urbana, em meio ao caos social da atualidade. Uma afirmação dessa monta é para fazer pensar, numa reflexão das mais pertinentes.

“Lobo em Pele de Cordeiro” é um blues rasgado, forte na concepção musical ao ponto de induzir o ouvinte a embarcar nele, viajando longe. “E não me fale com persuasão, pois o meu tédio não tem emoção” desvela as relações efêmeras que não levam a nada. Se isso é viver encarcerado numa mentira existencial, o recado está dado.

 "Viva a Diferença”, parece a canção mais pop do álbum, mas na verdade tem uma seriedade indiscutível. Gosto da melodia e parece ser uma marca estilística do Gandharva compor canções que transitam entre partes densas e doces, o que considerei um mérito. Mais uma vez aparece um teclado, desta feita mais proeminente, na forma de um rápido solo de órgão Hammond, ou um simulador dele, mais provavelmente, numa boa e certeira intervenção. “Viva a diferença, viva a liberdade, viva a sua vida, conquiste a sua parte”...mais um bom recado, sem dúvida.

No cômputo geral, o trabalho do Gandharva tem qualidade, mostra-se criativo e executado por bons músicos, compositores, cantores e arranjadores. 
Esse trabalho foi gravado no estúdio Box Music, com direção geral de Nikolas Rupa e produção de “Jibóia”. Masterização de Balieiro. 
Gostei do áudio do disco, com timbres bem definidos, peso, clareza e sem excessos de frequências que geralmente sobressaem-se após o processo da masterização.
Além dos quatro componentes citados, Filipe Rocha tocou teclados e violão como músico convidado.
O projeto gráfico ficou a cargo de ID Make Media.


A palavra “Gandharva” em sânscrito, significa na cultura indiana baseada nos “Vedas”, um tipo de casamento arrumado pelas famílias, sem interferência dos noivos na escolha um do outro.
Espero que o Gandharva tenha uma longo casamento, portanto, e que seus componentes continuem fazendo suas escolhas sonoras livremente, ao contrário do que a palavra sugere, em sua carreira, e lance mais trabalhos de qualidade artística como este.

Para quem quiser ouvir o som da banda:
https://soundcloud.com/banda-gandharva-oficial
Abraços e boa leitura!

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