segunda-feira, 18 de fevereiro de 2019

Artigos & Resenhas - Teko Porã - Por Luiz Domingues


Olá pessoal!

Estamos de volta com mais uma coluna Artigos e Resenhas aqui no nosso site. Dessa vez o sensacional Luiz Domingues nos fala sobre o álbum de estreia do Teko Porã, artistas de rua, uma cultura muito difundida em diversos países do mundo, incluindo o Brasil, que aos poucos vai entendendo esta importante forma de arte. Vale a pena conhecer o trabalho desta banda apresentada pelo Luiz.

A matéria original pode ser encontrada neste link.
https://luiz-domingues.blogspot.com/2016/02/teko-pora-por-luiz-domingues.html

Lembrando que o nosso amigo possui três blogs diferentes que estão nos links abaixo.
http://luiz-domingues.blogspot.com.br/
http://blogdoluizdomingues2.blogspot.com.br/
http://luizdomingues3.blogspot.com.br/

Um breve release do Luiz feito pelo próprio:
Sou músico e escrevo matérias para diversos Blogs. Aqui neste Blog particular, reúno minha produção geral e divulgo minhas atividades musicais. Como músico, iniciei minha carreira em 1976, tendo tocado em diversas bandas. Atualmente, estou atuando com Os Kurandeiros.

Sem mais, vamos ao texto do Luiz

Teko Porã - Por Luiz Domingues


Artistas de rua são muito comuns na Europa, Estados Unidos e outros países, não necessariamente de primeiro mundo, mas claro, predominantemente neles. No Brasil, cujo povo se arvora de ser multifacetado, culturalmente  falando, e supostamente aberto a manifestações culturais não usuais, na prática, ainda existe um preconceito enorme para com artistas que se expressam nas ruas, estações de metrô e outros locais públicos.
Nos últimos anos esse panorama tem melhorado, não posso negar, mas acredito que ainda esteja muito aquém do ideal. Em São Paulo, onde vivo, percebo que os espaços públicos vem sendo ocupados por muitos artistas de diversas vertentes, fazendo suas performances nas praças públicas e estações do Metrô. Já vi de tudo: de atores declamando monólogos a mágicos fazendo pequenos sketches de ilusionismos; muitos artistas de vocação circense realizando exibições acrobáticas; além de muitos artistas plásticos pintando, desenhando, etc.
Mas a grande predominância da arte de rua fica por conta mesmo dos músicos e de fato, aumentou muito a frequência de artistas tocando e cantando nas ruas de São Paulo nos últimos anos.


Salutar pelo aspecto da livre expressão artística, tem também seu lado obscuro, na medida em que não obstante ser uma experiência rica para o artista estar exercendo sua arte em meio ao povo nas ruas, denota também a absoluta falta de oportunidades para a maioria esmagadora, que simplesmente vive à margem da difusão cultural mainstream e por conseguinte, das chances para apresentarem-se em teatros; casas de espetáculos; centros culturais com a infra estrutura de som; luz; cenografia; camarins e conforto para o seu público poder apreciar sua obra de forma integral.
Nesses termos, tenho visto artistas de diversos ramos da música criando situações de total improviso para se apresentarem. De bandas de Rock sensacionais a combos de Jazz e Blues com músicos de alto quilate técnico; músicos de orientação de MPB na base do violão & voz; grupos folclóricos latino americanos com instrumentos típicos; corais e percussionistas afrobrasileiros.

Um grupo que me chamou a atenção e cujo disco de estreia, homônimo, chegou às minhas mãos por intermédio do Rocker; ator, e agitador cultural, Kico Stone, é o Teko Porã.


Já os conhecia de vista, vendo-os circulando por estações do metrô, notadamente as que mais uso, perto da minha residência, estações Ana Rosa e Vila Mariana. Jovens bem apessoados, com visual de artistas saltimbancos, mezzo-ciganos / mezzo Hippies sessentistas, chamam a atenção andando pelas redondezas, carregando seus instrumentos.
Na formação desse primeiro EP, (já foi um sexteto anteriormente), trata-se de um quarteto vocal e instrumental, formado por dois rapazes e duas moças, que utilizam instrumentos acústicos tradicionais (violão; violão de 7 cordas; violino; bandolim; acordeom; bandoneón; vários instrumentos de percussão etc). Nas estações de metrô onde costumam se apresentar, tocam suas canções autorais e muitas releituras de clássicos da música brasileira e internacional, encantando os transeuntes que se dispõe a perder alguns minutos de sua vida acelerada, ouvindo boa música.


Primeiro ponto : são ótimos instrumentistas e vocalistas. Nem todo mundo que toca na rua tem essa qualidade, e isso já é um mérito a mais para o Teko Porã.
Segundo aspecto : no caldeirão de influências que sua obra se baseia, só tem exemplos ótimos.
Ouvindo seu EP de estreia e vendo os vários vídeos disponíveis de suas performances ao vivo pelas estações do Metrô e praças públicas, fica patente que cresceram ouvindo música Folk de diversas etnias e culturas; MPB da Velha Guarda; música de raiz caipira; Jazz Cigano; Soft Rock das décadas de sessenta e setenta, e mais uma série de coisas absolutamente incríveis e fora do esquadro da anticultura / subcultura que domina o panorama cultural do Brasil há anos. Isso explica o fato de não estarem na mídia, apesar do talento enorme que tem, fora a capacitação musical milhas acima da média. Por um lado, ainda bem que não compactuam com o status quo dessa perversidade cultural que domina a difusão mainstream, por outro, padecem pela falta de reconhecimento e apoio que merecem ter.

Sobre o EP, a produção é muito enxuta, gostei demais do áudio, privilegiando os timbres naturais de instrumentos acústicos. Tem a pressão sonora de uma gravação digital moderna, mas nada que comprometa a extrema doçura das canções, e sobretudo os timbres dos instrumentos e vozes desses artistas. A capa é muito bonita, apresentando um tecido bordado, multicolorido e com o nome da banda num relevo, em destaque. É simples, mas muito funcional e expressiva no sentido de que denota na imagem e nas cores, o colorido multicultural que é a proposta artística do Teko Porã. Aliás, cabe acrescentar que a expressão “Teko Porã", significa “Bem Viver”, no idioma indígena “guarani”.

Sua formação fixa atual é a de um quarteto, com Marília Calderón (voz; guitalelê; acordeom; bandoleón); Pablo Nomás (violão de 7 cordas); Juan Morales (bandolim) e Fernanda Leal (violino). No disco, tiveram a presença de dois ex-componentes da banda, como André Ladeia (violino), e Léa Gonçalves (violino), além de terem convidado quatro músicos em participações especiais : Renan Monteiro (percussão); Antonio de Souza (violino); Fabio Aguiar (trompete), e Rafael Massi (washboard).


O disco foi gravado em três estúdios: Mosh; Carbonos, e Mono Mono, com a mixagem e masterização concluída no Carbonos. 
O projeto da capa ficou a cargo de Maria Renata Morales.    
Produção de Heron Coelho e Teko Porã.

A primeira faixa do disco é : “A Velha Nova”.
Tendo o violino como protagonista a desenhar sua melodia primordial, gostei muito do arranjo, com as cordas dando suporte com pausas estratégicas, e um staccato dramático na parte B, que realçou demais a composição. É folk europeu em essência, mas notam-se amálgamas múltiplas, misturando conceitos. Tem muito de música cigana do leste europeu, mas também algo de andino, sutil. Lembra as imagens de Chaplin, no sentido de que seu vagabundo adorável tem muito a ver com as andanças do próprio Teko Porã pelas ruas de São Paulo, a espalhar beleza e doçura em meio ao caos urbano agressivo do cotidiano. É muito bonita a construção da melodia principal e André Ladeia brilha com sua técnica ao violino.

“Quem Souber” é um achado. 
Lembra de certa forma o trabalho do Grupo Rumo no início dos anos oitenta, onde havia uma grande preocupação de se fazer música com conceitos nada comerciais, buscando referências em aspectos só valorizados normalmente por musicólogos, e portanto circunscritos aos grupos acadêmicos de estudiosos da universidade.Nessa circunstância, a canção tem um sabor de MPB da Velha Guarda, com uma brejeirice deliciosa, e a voz de Marília Calderón nos proporciona tal viagem. É como se estivéssemos num trem Maria Fumaça de antigamente, rumo ao interior do Brasil no início do século XX, curtindo todos aqueles signos inerentes da cultura de tal época. Absolutamente incrível. Lembra em alguns aspectos, uma canção infantil, principalmente pelo desenho fragmentado da melodia, dividindo sílabas, quase como se tivesse intenção pedagógica. Mas há o contraponto, quando nas partes B e C, a melodia assume um formato mais intenso, num jogo de palavras dos mais interessantes.
Gostei bastante das intervenções do bandolim com toques flamenco, de Juan Morales, demonstrando técnica e versatilidade e a harmonia muito bonita só valorizou suas intervenções. Pablo Nomás também solta a mão com seu violão de 7 cordas em intervenções curtas, mas muito bonitas, além de Fernanda Leal ao violino, ser ótima.

“Quem Souber não me dirá
Qual a hora de partir
Seu lugar onde será
Você tem que descobrir”

Só pelos primeiros versos da canção, dá para imaginar que a melhor coisa é ouvir tudo e descobrir sozinho o prazer dessa imersão poética.

“Folhas Caídas” passeia entre a toada; o madrigal renascentista e o Pop Rock sofisticado que há anos eu não escutava, desde o trabalho dos Secos & Molhados, além de um certo “quê” de Folk americano via Bob Dylan, mas podia ser também o Zé Ramalho em seu Chão de Giz, tranquilamente. Pelos créditos do encarte do álbum, suponho serem de Antonio de Souza as intervenções com seu violino entre o erudito e o cigano, mas soltando algumas frases que remeteram-me ao Blue Grass lá do Mississippi. 

“Até onde vai a vista
Só pântanos e neblina
Nem um pássaro se arrisca a cantar
Há folhas caídas em chamas, e nós cavando a grama com a pá” 

Apesar da letra ter proposta lúgubre, claro que há beleza nessa poesia, gostei muito.

“A Peste da Dança” tem a providencial participação do percussionista Renan Monteiro. Gostei bastante desse elemento a mais para a canção. Instrumental, tem seu lado cigano forte, mas também uma irresistível influência Yiddish. Agradaria numa festa cigana e também num Bar Mitzvah, acredito.

A quinta faixa, também instrumental, tem o explícito título de “Samba Eslavo”. 
Muito animada, mais parece eslava na prática, e se tem algo de brasuca nessa receita, talvez seja nas sutilezas do violão de sete cordas e na percussão, ainda que nada que seja explicitamente brasileiro tenho sido insinuado pelo percussionista convidado, Renan Monteiro.  

Já em “Solidão do Joca”, a música de raiz do interior calou fundo. Absolutamente adorável a toada caipira com os instrumentos de cordas se esbaldando nos seus respectivos arranjos, buscando elementos típicos dessa egrégora. É como escutar uma velha canção da Inezita Barroso, com uma letra espirituosa a misturar signos prosaicos com referências da cultura pop moderna.

“Tava em casa solitário cabulando academia, quando o noticiário anunciou...epidemia
Descobri que era doença aquela minha solidão, fui no Dr. pedir licença pra tomar medicação 
Dessa doença eu não entendo, tinha mais de mil amigos todos os dias...no Facebook"...

“Navio Canção” lembra um fado de certa forma, mas tem alguns elementos que remetem até ao Rock progressivo, ouso dizer, principalmente no violino do convidado especial, Antonio de Souza que busca fraseados cerebrais em alguns momentos, que fizeram-me lembrar de David Cross no King Crimson; ou mesmo Ray Shulman no Gentle Giant.

“Poucos Acasos” mergulha no Jazz festivo de New Orleans, com aquele sabor creole, sensacional. Pablo Nomás comandou a interpretação vocal com bastante firmeza. Espertíssimas as intervenções de músicos convidados, no caso, Fabio Aguiar ao trompete e Rafael Massi no Washboard. Gostei muito da melodia principal e do arranjo geral da canção.
A letra trouxe algo de antropológico, numa primeira leitura, mas é também o fruto das observações deles mesmos, acredito, vendo as pessoas apressadas passando ao seu redor em suas apresentações em lugares públicos, em seu frenesi cotidiano, lutando numa vida massacrante em eterna busca pela sobrevivência, e tendo como melhor perspectiva, alguns prazeres hedonistas, apenas.

“Todos em volta sempre a olhar
Os poucos acasos que devemos passar
Cada um deles com suas circunstâncias
Novas perspectivas, poucas esperanças
Nascer, crescer, perpetuar
Envelhecer, morrer aqui”...

Em suma, um disco adorável de estreia e por ser curtinho, na verdade um EP, nos deixa com vontade de ouvir mais, ansiando por um novo trabalho em breve.


Nem só de apresentações de rua eles tem se valido, soube que já tocaram em unidades do Sesc, o que é ótimo e lhes dá a estrutura que sua arte merece. Mas, deixo a ressalva de que precisam de muito mais apoio do que tem obtido, pois um trabalho dessa qualidade precisa alcançar camadas maiores do público, sem dúvida.

Existem vários vídeos do Teko Porã no You Tube, mostrando suas apresentações em estações de Metrô, e muitas dentro dos vagões em movimento, além de apresentações nas ruas e praças. Um documentário bem curtinho fala sobre o trabalho desse jovem grupo folk, com depoimentos bacanas e trechos de suas apresentações regulares.


E abaixo, o álbum homônimo, objeto desta resenha, para degustação do leitor / ouvinte :


Para maiores informações do trabalho do Teko Porã, acesse sua página no Facebook :
https://pt-br.facebook.com/TekoPora

Contato direto com o Teko Porã :
projetotekopora@gmail.com

Eu recomendo o Teko Porã, com ênfase !

Abraços e boa leitura!

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