sexta-feira, 14 de fevereiro de 2020

Artigos & Resenhas - Ivo Rodrigues / CD O Velho Homem do Folk - Por Luiz Domingues


Olá pessoal! 

Estamos de volta com mais uma coluna Artigos e Resenhas aqui no nosso site. Dessa vez o sensacional Luiz Domingues nos fala sobre o álbum "O Velho Homem do Folk" do compositor Ivo Rodrigues.  Esse álbum foi gravado e engavetado inicialmente e infelizmente só foi lançado algum tempo após a morte do artista, graças aos esforços de seu filho e esposa que lutaram bravamente para lançá-lo. Além do mais, trata-se de um belo trabalho, com o Ivo a desenvolver o seu lado mais Folk como compositor, como sugere o título do disco, certamente.

A matéria original pode ser encontrada neste link.


Lembrando que o nosso amigo possui três blogs diferentes que estão nos links abaixo.

Um breve release do Luiz feito pelo próprio:

Sou músico e escrevo matérias para diversos Blogs. Aqui neste Blog particular, reúno minha produção geral e divulgo minhas atividades musicais. Como músico, iniciei minha carreira em 1976, tendo tocado em diversas bandas. Atualmente, estou atuando com Os Kurandeiros.

Sem mais, vamos ao texto do Luiz:

Ivo Rodrigues / CD O Velho Homem do Folk - Por Luiz Domingues


É a primeira que vez que elaboro uma resenha póstuma e não posso deixar de registrar que ao ouvir o trabalho em questão, fiquei dividido entre a tristeza e a alegria. Parece bem óbvio o que quero exprimir, mas acho conveniente deixar bem claro para não dar margem alguma à interpretação errônea do leitor. É o seguinte: alegre por ouvir um trabalho ótimo que mostra-se consistente enquanto peça artística; bem gravado, executado; arranjado e com muita expressividade. Todavia, triste por ter que constatar que trata-se de um trabalho póstumo da parte de um artista de primeira linha que deixou-nos há muitos anos atrás e não há sentimento de resignação que suplante a ideia de que ele nos faz falta, e o ideal seria que estivesse entre nós, atuando e criando sem parar.

Falo sobre Ivo Rodrigues, um artista com muitos atributos, tendo sido um cantor com incrível poder de interpretação e qualidade na voz, mas também um ótimo instrumentista e sobretudo, um compositor de mão cheia. Ivo é um dos principais nomes do Blues e do Rock paranaense, de todos os tempos, tendo feito história em duas bandas seminais daquele pujante estado sulista, e que estão na história do Rock Brasileiro : “A Chave” e “Blindagem”.  Com A Chave, foi um desbravador ao lado de seus valorosos e talentosos companheiros de jornada, com um curriculum construído numa época onde as dificuldades eram enormes. Falo dos anos setenta, onde o Rock não era reconhecido na grande mídia e tendo como agravante a ditadura em voga no país, nada simpática aos "cabeludos em geral", digamos assim, acrescentando o fato de ser uma banda fora do Eixo Rio-São Paulo, portanto, com menos oportunidades ainda. Mesmo assim, A Chave fez muito em sua carreira, colocando-se  com méritos no panteão do Rock Brasileiro, onde deixou seu legado inquestionável. Tenho uma lembrança pessoal muito boa, por ter visto a banda ao vivo uma vez, no Teatro Bandeirantes de São Paulo, no hoje longínquo ano de 1977, e apesar da distância temporal elástica, minha recordação da Chave é muito querida no sentido de ter reconhecido naquele palco, uma banda vigorosa da escola do Blues-Rock e que em nada ficava devendo a bandas similares de origem norteamericana ou europeia, em geral. Ivo Rodrigues impressionava por seu vozeirão, ao centro do palco e seus colegas eram igualmente ótimos, caso dos grandes, Carlos Gaertner no baixo; Orlando Azevedo na bateria e Paulo Teixeira na guitarra. Já na década de oitenta, Ivo Rodrigues foi fazer parte de uma outra banda paranaense de muita categoria. Integrando o “Blindagem”, mantinha a velha pegada Blues-Rock, mas essa banda teve mais chances, por estar numa época onde a mídia deu abertura ao Rock e na vácuo de artistas que chegaram ao estrelato mainstream, escreveu uma história tão forte quanto A Chave, artisticamente falando, porém, com maior alcance ante as circunstâncias externas mais favoráveis.


E mais uma lembrança boa, de cunho pessoal, quando eu fui componente oficial da Patrulha do Espaço entre 1999 e 2004, tive o prazer de tocar ao vivo, uma música e até gravado-a (versão ao vivo extraída de um show realizado em 2004, mas está no CD coletânea : “Aventuras Rockeiras no Século XXI”, lançado em 2016), de autoria do Ivo em parceria com seus companheiros d'A Chave, que a Patrulha gravou e incorporou ao seu repertório (“Vampiros”). O Rolando Castello Junior, baterista e único remanescente original desde a fundação da Patrulha, sempre citava o Ivo com muito carinho, enaltecendo suas qualidades artísticas, mas igualmente falando bem dele. Não o conheci pessoalmente, mas baseado nesses depoimentos do Rolando, formulei a melhor imagem possível de sua pessoa. Segundo o Rolando (e eu acredito nisso, mesmo porque a obra artística deixada por Ivo confirma tal preceito), ele era um Rocker genuíno, “um dos nossos”, na acepção do termo. Mas eis que a finitude humana o chamou muito mais cedo que esperaríamos e assim, Ivo Rodrigues deixou-nos muito precocemente em 2010, abrindo uma lacuna irreversível, digo com pesar.

Já em plena época de amizades construídas através das redes sociais da Internet, fiquei amigo da viúva de Ivo, Suka Rodrigues, que falou-me muitas coisas sobre a obra de Ivo e o legado todo, sobre a sua atuação com “A Chave” e “Blindagem”, a parceria com o poeta Paulo Leminski e sua própria parceria com ele, visto que Suka também é uma poetisa. Como se não bastasse, um dos filhos do casal (Ivan Rodrigues), é um grande músico nos dias atuais e envolvido igualmente na produção musical. Para incrementar ainda mais, estreitei amizade com o excepcional baixista, Carlão Gaertner, que foi companheiro de Ivo, n’A Chave. Aliás, tive um grande prazer em entrevistá-lo no meu Blog 2, onde ele fez um relato impressionante sobre a sua trajetória na música, e claro, quando cita a sua passagem pela “A Chave”, mencionou Ivo Rodrigues muitas vezes, e eu convido o leitor a procurar tal relato impressionante, uma verdadeira aula sobre a história do Rock e do Blues do Paraná, mediante o link abaixo :


Bem, eis que em 2017, esforços foram empreendidos e um álbum com material inédito do grande Ivo Rodrigues é anunciado e minha amiga Suka Rodrigues, enviou-me gentilmente uma cópia para a minha apreciação. Logo que mirei a capa e vi a foto em close-up de Ivo a cantar diante de um microfone, já senti a força do intérprete sensacional que ele foi em vida (foto aliás, do Ivo atuando com A Chave ao vivo, em 1975). Bastava colocar o CD no aparelho de som para constatar o que já era presumível, ou seja, trata-se de uma bela coleção de canções de sua autoria (nem todas, tem uma do compositor italiano, Vasco Rossi), sendo a maioria só dele, e algumas com parcerias. O nome do disco é o mesmo de uma canção do álbum, e revela uma verdade implícita : “O Velho Homem do Folk”. É isso mesmo, Ivo era Rocker e bluesman por natureza, mas esse lado “Folk” também caía-lhe bem enquanto compositor e cronista do cotidiano. Tal trabalho foi gravado em algum momento do primeiro semestre de 2009, num estúdio caseiro, segundo consta na ficha técnica do álbum, mas apresenta um áudio muito bom em minha avaliação, dignificando a memória de Ivo e sendo portanto um item vital na coleção de quem o admirava pela sua atuação nas bandas em que foi componente. Trata-se de nove canções muito interessantes, trazendo um alento aos seus fãs, carentes desde que deixou-nos.


Logo na primeira canção, homônima ao título do disco, matamos a saudade do velho Ivo, ouvindo sua voz potente, com aquela verdade implícita na sua maneira de interpretar. Sim, o “O Velho Homem do Folk” vive em sua poesia imortal. Senti um verdadeiro híbrido, no ótimo sentido da palavra, entre o Folk americano e o Folk sulista do Brasil e na prática, mesmo não sendo um musicólogo a prestar um parecer técnico bem embasado, tenho em mente que a música Folk é igual em qualquer lugar do planeta, em sua essência e o que muda são as nuances étnico / culturais de cada região / nação. Gostei muito dessa canção com arranjo simples, porém muito feliz no uso de violões, banjo, baixo e bateria. Tem também uma boa intervenção de gaita e a voz do Ivo está muito límpida no tratamento de áudio dessa produção, usando o mínimo de processamento, e assim privilegiando seu timbre e emissão natural. Ivo canta :

"Quanta saudade vou deixando
sonhos de infância, rancho e banjo
...pra saber que a resposta vem com o vento
pra saber que a resposta vem como vento".

“Inspiração” (em parceria com Luiz Rettamozo), é uma faixa deliciosa. Lembrou-me o trabalho da banda gaúcha, "Almôndegas", nos anos setenta. Aquele sentido do Folk-Rock que é raro, para não dizer inexistente nos dias atuais, infelizmente. Muito bom o passeio de slide-guitar. Nada mais silvestre e de fato, inspirador.  

“Vento”, a terceira faixa, traz um bom arranjo de piano em perfeita sincronia com os violões. Apreciei os backing vocals, muito pertinentes. Ivo investe na delicadeza poética :

"Vento, ouço você chamar
Folhas caem dos teus olhos"...

“Diga-me Onde Mora”, a faixa seguinte, é um Country-Rock muito bom. Gostei bastante dos vocais, condução da boa "cozinha" (baixo e bateria), e mais uma intervenção criativa do slide-guitar. Senti-me ouvindo um bom disco dos "Byrds"; "Quicksilver Messenger"; "Flying Burrito", enfim, essas e outras tantas bandas norteamericanas sessentistas boas, que praticavam essa seara rural do Rock.

“Típicos” (em parceria com Raymundo Rolim), é um Blues, ao estilo “slow”, belíssimo. Gostei de tudo nessa faixa, a começar pelo órgão com pegada Hammond; guitarras, e mais uma condução perfeita de baixo & bateria. Ivo arrebenta com seu vozeirão. A letra é forte, a investir na crítica ao comportamento humano em sociedade, mas com elegância, sem nenhuma apelação, o que é notável, visto que tem muito artista que deseja enveredar por tal tipo de denúncia sócio-comportamental, mas apela para grosserias que beiram a raiva recôndita, através dos seus recalques pessoais etc. Não foi o caso dessa letra, que tratou tal questão com maior classe. Eis um exemplo :

"Que essa gente maltratada pela vida
é tão jovem e tem suficiente idade pra morrer de tédio pelas ruas da cidade
sem direito ao sorriso ou ao juízo"...

A próxima canção, “Comigo não tem Vacilo”, é a mais balançada do álbum. Tem muito do R’n’B e da Soul Music e também agradou-me bastante os belos desenhos melódicos executados pelo violão.

“Voyeur Amigo” é uma parceria com sua esposa, Suka. É um reggae em linhas gerais pelo arranjo com as típicas acentuações em contratempo, mas é ao mesmo tempo pop com vocação radiofônica. E no texto, tem um teor erótico, como sugere seu título, mas com bom gosto, sem passar do ponto.

A penúltima música chama-se “Vivendo por Dois”. É um blues em tese, mas tem nuances do R’n’B e do Rock’n Roll cinquentistas, ao longo do seu desenrolar. Gostei bastante do piano e do belo solo de guitarra, com timbre limpo, provavelmente advindo de uma Fender Stratocaster, pelo seus estalos de harmônicos bem agudos, coisa bela, por sinal.

O disco encerra-se com “Vida Gozada”, numa versão bem "Classic" Folk, mesmo, com voz e violão, apenas. Trata-se de uma versão da música “Vita Spericolata”, do excelente compositor italiano, Vasco Rossi, que a Blindagem já havia gravado em disco de estúdio e também apresentada posteriormente numa versão grandiloquente, com apoio de uma orquestra sinfônica, ao vivo e com Ivo Rodrigues numa interpretação de arrepiar. Aqui, apesar desta versão ser bem mais comedida no seu arranjo, a interpretação é também, belíssima. É o tipo de faixa que não dá para ouvir e simplesmente desligar o CD Player, mas que pede mais uma nova audição, pelo menos.

Sintetizando, “O Velho Homem do Folk” é muito mais que uma bela homenagem ao saudoso Ivo Rodrigues, mas um sopro de vida, revelando-se um verdadeiro presente que ele oferece-nos, tantos anos depois de sua partida. Ouvindo-o, fica a certeza de que Ivo Rodrigues vive e continua sendo um artista que tem o que dizer e muito bem dito.

A capa do álbum é sóbria e o encarte segue o mesmo padrão. A foto de Ivo cantando ao vivo, parece ser dos anos setenta, no tempo em que atuava n’A Chave. O uso de uma matiz de verde musgo profundo, mesclou-se à foto em preto e branco de forma magnífica. Remeteu-me ao campo, às raízes camponesas, portanto tudo a ver com o conceito do menestrel “folk”.


Gravado em estúdio caseiro - 1º semestre de 2009 
Direção musical a cargo de Ivo Rodrigues e Neto Nonino
Técnico de gravação e pré-mixagem : Neto Nonino
Mixagem : Neto Nonino; Charlie e Claudio Thompson
Mixagem final : Neto Nonino e Ivo Rodrigues
Mixagem da música “Vida Gozada” : Alberto Rodriguez Ovelar 
Masterização : Virgílio Milléo 
Foto : Nelida Kurtz Retamozo
Projeto gráfico : Bruno Pianaro Souto
Produção Geral : Rafael Martins e Ivan Rodrigues
Prefácio do encarte : Sandro Moser.

Selo independente, com apoio da Prefeitura Municipal de Curitiba / Fundação Cultural de Curitiba

Ouça o álbum na íntegra, no Spotify :


Ivo Rodrigues : Voz & violão

Músicos convidados :
Neto Nonino : Violão / banjo / guitarra
Rodrigo Panzone : Baixo / teclados
Vander Ferreira : Bateria
Bene Chireia : Gaita
Paulo Teixeira : Guitarra
Charlie Thompson : Violão / guitarra / teclados
Claudio Thompson : Percussão
Christopher Michael : Teclados
Gerson Marçal : Baixo

Agradeço a Suka Rodrigues pelo envio de uma cópia do álbum

Ivo Rodrigues no Wikipedia

É isso aí!
Espero que gostem desta resenha e o principal, conheçam o sensacional som deste queridíssimo e saudoso artista.
Abraços e até a próxima!

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