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sábado, 24 de abril de 2021

Artigos & Resenhas - Compacto Simples "Trilha" / Cosmo Drah - Por Luiz Domingues

 

Olá pessoal! 


Estamos de volta com mais uma coluna Artigos e Resenhas aqui no nosso site. Dessa vez o sensacional Luiz Domingues nos fala sobre o compacto "Trilha" da banda Cosmo Drah. 


A matéria original pode ser encontrada neste link.


http://luiz-domingues.blogspot.com/2019/05/compacto-simples-trilha-cosmo-drah-por.html


Lembrando que o nosso amigo possui três blogs diferentes que estão nos links abaixo.

http://luiz-domingues.blogspot.com.br/

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Um breve release do Luiz feito pelo próprio:


Sou músico e escrevo matérias para diversos Blogs. Aqui neste Blog particular, reúno minha produção geral e divulgo minhas atividades musicais. Como músico, iniciei minha carreira em 1976, tendo tocado em diversas bandas. Atualmente, estou atuando com Os Kurandeiros.


Sem mais, vamos ao texto do Luiz:


Compacto Simples "Trilha" / Cosmo Drah - Por Luiz Domingues


O Cosmo Drah é uma banda vigorosa e obstinada em sua busca incessante para obter as melhores vibrações do Rock produzido em seu período de ouro, ou seja, o dito “Late 60’s/Early  70’s. 

Nesses termos, é bom que fique bem claro, para adotar tal predisposição artística, não basta apreciar tal estética. deixar o cabelo crescer e procurar figurino de época pelos brechós da cidade, tão somente, para que tudo saia dentro do esperado.

E nem mesmo saber tocar e cantar bem (esta, por sinal, é uma condição sine qua non para poder executar tal tarefa a contento), mas sobretudo, para quem aventura-se nessa determinação em soar dessa forma, é necessário ater-se em outros detalhes inerentes, tão vitais quanto, e acima de tudo, precisa capturar a essência dessas “boas vibrações” e isso não aprende-se em escolas, por tratar-se de uma capacidade anímica, que depende exclusivamente em estar sintonizado no ponto exato onde essa conexão possa ser estabelecida, ou melhor, restabelecida. 

Pois o Cosmo Drah tem essa capacidade, certamente e a cada trabalho que esse grupo lança no mercado, reafirma-se tal expressividade com adendos, pois além de tudo, trata-se de uma banda que apresenta um nível técnico e artístico, muito grande. 

O Cosmo Drah em ação ao vivo, no palco do Sesc Belenzinho em São Paulo, no ano de 2019, por ocasião do show de lançamento do seu novo compacto. Foto: Isabella Piantra

Eis que após o seu excelente CD inicial, homônimo, lançado em 2015, a banda apresenta mais duas canções inéditas e lançadas, sim, em formato de um compacto de vinil de 7 polegadas, nada mais vintage, portanto. 

Nesse compacto simples, denominado: “Trilha”, as músicas apresentadas são: ”Pense” (Contracorrente) e “Trilha”. Trata-se de dois exemplos clássicos de Hard-Rock, bem do início dos anos setenta, com grande desenvoltura instrumental e vocal em ambos os casos, e também a conter arranjos muito bem engendrados. Gostei muito da performance da banda, e da felicidade pelos timbres observados, um ponto de honra para quem envolve-se com sonoridade vintage, é bom frisar. E não obstante os membros da banda serem meticulosos nesse sentido e ostentar grande conhecimento técnico sobre áudio (os irmãos Amorim, por exemplo, mantém uma prestigiada oficina de Luthieria para instrumentos e consertos de amplificadores e acessórios em geral, na zona sul de São Paulo), o fato foi que obtiveram o apoio decisivo de dois técnicos de som que também são bons músicos, professam dos mesmos valores musicais e ambos, são detentores de avantajados conhecimentos técnicos, casos de Lennon Fernandes (captura e mixagem) e Renato Coppoli (masterização), portanto, o áudio com tal sonoridade ficou garantido neste trabalho. 


Sobre a capa principal, nota-se uma belíssima ilustração, assinada por Camila Kury. Trata-se de um pequeno caminho construído em pedras, cercado por uma vegetação exuberante e certamente a sugerir a ideia da “trilha” defendida pela banda. Gostei muito da opção da artista ao ter usado conceito do preto & branco, pois a despeito da cor ser a opção lógica e na suposição de que igualmente teria ficado lindo, pela certeza da representação lisérgica iminente, ao usar o conceito PB, a artista visual, trabalhou com as matizes sutis a envolver o prata e o grafite, além de ter observado com criatividade o uso de luz e sombra. 



Na contracapa, existe uma bonita estilização do logotipo da banda, a envolver as fotos individuais dos seus componentes e uma ficha técnica sobre a produção do álbum, sucinta. O projeto gráfico ficou a cargo do genial artista plástico, Diogo Oliveira 


Sobre as faixas, tenho a observar mais alguns detalhes. Ouça a canção: “Pense” (contracorrente), enquanto lê o que tenho a dizer sobre ela. 



“Pense” (contracorrente) 


Gostei muito da levada inicial em um bem usado compasso sob fórmula 6/8, onde a pontuação rítmica dos três instrumentos primordiais, baixo, guitarra e bateria, mostrou-se extremamente bem encaixada. A aproveitar tal sutileza no arranjo, realçou-se os timbres respectivos dos instrumentos ao revelar-se excelentes, um adendo positivo a mais, portanto. 

Há uma parte B mais acelerada e que encontra-se alojada sob o clássico compasso em 4/4, o que garantiu um diferencial. Contém uma melodia dura, bem no padrão do Hard-Rock setentista, todavia, mostra-se muito boa e a observação dos backing vocals, muito oportuna. 

Sobre a letra, escrita pelo vocalista, Rubem Yanelli, em parceria com o baterista, Renato Amorim, o mote é em tom crítico, a abordar a dispersão das pessoas em meio a uma sociedade que massifica, mastiga e cospe as pessoas, a negar-lhes o direito a pensar e agir por si mesmas. Há um solo excelente de Anderson Ziemmer, gostei bastante do uso do Wah-wah.



"Trilha"


Muito bom o riff primordial, a dar início à canção. Gosto da desdobrada que só realçou a beleza da linha melódica, abrilhantada pelo bom uso da segunda voz, em harmonia. 

Adorei o fraseado da parte C, como ponte a abrir caminho para o solo (ótimo). Como não deixar de elogiar a parcimônia usada no tocante ao reverber geral? Uma gravação seca, sem aquela pasta indecente que conspurca o áudio, em contraponto ao que acostumou-se a chamar-se: “padrão Pop”, ou para deixar bem claro, o Cosmo Drah não busca esse caminho e... ainda bem! 

Palmas para a banda e para os técnicos, Lennon Fernandes e Renato Coppoli, por tal decisão sábia.


De costas, o técnico e multi músico, Lennon Fernandes, a trabalhar no Docestúdio, na produção do compacto "Trilha", do Cosmo Drah


Técnico de gravação (captura) e mixagem : Lennon Fernandes (Docestúdio)

Técnico de masterização: Renato Coppoli (Áudio Freaks!)

Capa (ilustração): Camila Kury

Projeto gráfico e logotipo: Diogo Oliveira

Selos: Melômano Discos e Parafuseta Records


Formação do Cosmo Drah:

Elton Amorim: Baixo

Ruben Yannelli: Vocal e guitarra

Anderson Ziemmer: Guitarra; voz e percussão

Renato Amorim: Bateria e percussão 


Músico convidado:

Fabrício Arcanjo Pejome: Backing Vocals em “Trilha”


Sobre o Cosmo Drah, a minha recomendação é automática, ao dispensar maiores elucubrações. Trata-se de uma banda excelente, honesta em seus princípios, perseverante e formada por pessoas da melhor qualidade, portanto, tem a minha admiração.


Para conhecer melhor o trabalho do Cosmo Drah, acesse o seu 

Canal do You Tube: 

https://www.youtube.com/channel/UCQV9OvrbJnNDSLeg1nvfguw 


Página do Cosmo Drah no Facebook: 

https://www.facebook.com/cosmodrah/ 


Contato direto com a banda:

cosmodrah@gmail.com 


Os álbuns da banda estão disponíveis em plataformas digitais tais como: bandcamp; onerpm e outras.

É isso aí!
Grande abraço e até a próxima.

quinta-feira, 19 de março de 2020

Artigos & Resenhas - Juliana Galdeano / EP For Export - Por Luiz Domingues


Olá pessoal! 

Este espaço é reservado para artistas independentes e que mantém a música ativa por aí. Todo mês, repostamos resenhas do sensacional escritor Luiz Domingues, pois queremos sempre divulgar a música e é sempre legal relembrar lançamentos antigos dos músicos. Para este mês, Luiz nos apresenta Juliana Galdeano e o seu EP For Export. 

A matéria original pode ser encontrada neste link.


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Um breve release do Luiz feito pelo próprio:

Sou músico e escrevo matérias para diversos Blogs. Aqui neste Blog particular, reúno minha produção geral e divulgo minhas atividades musicais. Como músico, iniciei minha carreira em 1976, tendo tocado em diversas bandas. Atualmente, estou atuando com Os Kurandeiros.

Sem mais, vamos ao texto do Luiz:

Juliana Galdeano / EP For Export - Por Luiz Domingues



Juliana Galdeano, apesar de ser bem jovem, tem uma sólida formação musical, tendo estudado piano e teoria com afinco. Sua aproximação natural é com o Jazz, sob múltiplas vertentes (e inclua-se nesse rol, a Bossa Nova), mas neste trabalho, o EP “For Export”, ela investe numa sonoridade pop, buscando maior espaço midiático, naturalmente. Trabalhando canções com apelo R’n’B numa audição geral, mas passando pelo Folk com desenvoltura igualmente, o EP “For Export” mostra uma roupagem moderna, com áudio bastante processado, buscando certamente um padrão para soar bem em pistas de dança de casas noturnas e de certa forma até podendo flertar com o público que acompanha e aprecia a música eletrônica.

No quesito letras, a temática investe forte em questões mais sutis na relação homem / mulher, mas fugindo de clichês e apelações, tão comuns nesse tipo de abordagem poética. E há uma outra questão importante, que é a opção pelo uso da língua inglesa em 99% do tempo, com um pequeno excerto em português, apenas. Com tal determinação, Juliana deixa claro que busca o mercado internacional acima de tudo. E nos arranjos, apesar da robustez de sua base teórica, Juliana não abusou desse trunfo ao optar por um instrumental comedido, sem grandes voos instrumentais, investindo mais num tipo de acompanhamento a valorizar o aspecto pop das canções, ou seja, algo claramente deliberado de sua parte e coadunado com seus objetivos artísticos. Tratando-se de um EP com cinco canções, sendo a quinta faixa “You Know What I Mean”, tendo sido lançada anteriormente como single (junto a outra canção, “Hope You Agree”), o álbum traz uma boa coleção de composições, das quais falarei a seguir.


 “Danger !”, abre o disco e trata-se da mais “Techno” do álbum, com uso e abuso de muitas camadas de teclados sobrepostos e bateria eletrônica, dando a impressão do flerte com a música eletrônica (acrescente-se uma certa influência da Disco Music dos anos setenta e o Techno Pop dos anos oitenta, nessa receita), que citei parágrafos atrás. Gostei dos fraseados sob efeito de contrasolo de alguns sintetizadores, até agressivos pelos timbres usados, conferindo uma certa dose de ousadia. Achei a voz demasiada alta na mixagem final. Mesmo levando-se em conta que o objetivo é buscar o Pop como resultado prático, creio que ficou além um pouco do aceitável, mesmo pensando no velho padrão da MPB, onde produtores exageravam nesse quesito, principalmente no caso das cantoras, no afã de dar maior ganho para as vozes femininas.

“Ballad” é uma canção muito interessante, gostei muito da sua proposta sonora, embora tenha uma metragem bem curta, quase caracterizando-a como a uma vinheta. Tem uma forte influência do Folk Rock e como Juliana tem formação Jazzistica em tese, ouso dizer que por associação, essa canção lembrou-me o trabalho da maravilhosa Joni Mitchell, quando de seus flertes com o Jazz.

“Dyllan”, numa explicação ofertada em conversa informal que tive com a própria artista, tem duplo sentido. Sim, tem a ver com a admiração que ela nutre pelo astro do Folk / Protest Song, norteamericano, mas também é uma homenagem a um cão de estimação que ela teve e que foi brutalmente assassinado, lastimavelmente (daí, “Dyllan” com dois “L”). É uma balada pop bem construída, e denota na sua melodia, a emoção que Juliana soube passar na sua interpretação vocal.

"Jogos Perigosos” é a canção que tem trechos em português, mesclando-se ao inglês predominante no álbum. A sonoridade geral dos instrumentos, optando pelo som seco, sem muito tratamento no processamento geral, agradou-me bastante. Isso destoa do conceito pop do bojo do disco, mas por isso mesmo, é interessante, pois denotou um diferencial. Gostei muito da voz, pelo fato de que Juliana mostra que além de ser uma tecladista de classe, é também uma cantora com bastante potencial. E o eco da grande Carole King também ressoa como influência nítida e muito bem vinda, certamente.

A faixa bônus, “You Know What I Mean”, é fortemente calcada no R’n’B moderno, mas no bom sentido do termo, lembrando o Jazz Pop de artistas como Nora Jones e Diana Krall, ou seja, Juliana Galdeano investe firme na sua vocação mais forte que é manter-se no tripé : pianista / cantora / compositora, tal como suas colegas que citei. Gostei de alguns acentos mais sutilmente comprometidos com o Blues, lembrando-me Nina Simone, mas claro, impressão pessoal minha, nem tenho certeza que Juliana possui tal influência pessoal.



Em suma, Juliana Galdeano mostra-se uma artista jovem, portanto com muita margem para o crescimento, além de ostentar bastante embasamento técnico e teórico, coisa rara nos dias atuais e digno de enaltecimento, portanto. Além disso, apresenta criatividade, boas influências como compositora e dotes vocais muito interessantes. Multi instrumentista, pois também tocou baixo nas faixas, além de pilotar piano e diversos sintetizadores. Demonstrou igualmente que tem potencial poético como letrista. Acrescentando ainda mais, assinou a produção gráfica de capa e encarte do disco.

Por falar nesse quesito da arte gráfica, achei a capa simples, contudo bem funcional, pois privilegiou a foto da artista, uma prática mercadológica antiga no mundo fonográfico, mas certeira para artistas novos que precisam “mostrar a cara e a coragem”, literalmente, em trabalhos iniciais. Todavia, não posando numa foto convencional em estúdio fotográfico, mas sim fazendo uso de uma postura de sutil perfil, levemente inclinado e mostrando-a com o olhar para cima, com semblante leve, mas determinada, mirando o alto, muito provavelmente a sugerir uma intenção recôndita de percepção do futuro. Qual futuro ? Fica a resposta a cargo de cada observador da foto. Eu penso que ela enxerga a projeção de sua própria carreira, que espero, seja ascendente. 

O encarte é bem funcional, com as letras das canções disponibilizadas (sempre cai bem quando o artista usa desse dispositivo), além de uma ficha técnica bem caprichada e também acho que em todo disco deveria constar tais informações, com fartura de dados.

Juliana Galdeano já excursionou pelos Estados Unidos, tocando num circuito de casas de espetáculos, muito interessantes, principalmente na costa leste daquele país, portanto, tal bagagem internacional muito rica que ostenta, engrandece sua obra e muito contribui para a construção de uma carreira sólida, assim espero.


Gravado nos estúdios “Armazém” e Fillipe Sibioni’s Studio
Produção geral : Fillipe Sibione                  
Técnico de gravação; mixagem & masterização : Fillipe Sibione
Fotos : Daniela Schwery
Arte Gráfica : Juliana Galdeano                  

Juliana Galdeano : Voz; Teclados e Baixo

Músicos Convidados :
Bento : Guitarra e Bateria Eletrônica
Gabriela Gaspar : Violão e Guitarra
Alex Marques : Bateria
Henrique Polak : Bateria

Produção independente, lançado em 2017

Para ouvir o EP “For Export” na íntegra e conhecer melhor o trabalho de Juliana Galdeano, acesse: 


Canal de You Tube :

Leiam a resenha, mas o mais importante é conhecer o trabalho da Juliana Galdeano.
Abraços e boa música!

sexta-feira, 17 de maio de 2019

Artigos & Resenhas - Marcenaria (1º Álbum) - Por Luiz Domingues


Olá pessoal!

Estamos de volta com mais uma coluna "Artigos e Resenhas" aqui no nosso site. Dessa vez o nosso querido amigo e sensacional escritor Luiz Domingues nos fala sobre o primeiro álbum da banda Marcenaria, um grande trabalho que envolve grandes músicos. Vale a pena conhecer o trabalho desta banda apresentada pelo Luiz.

A matéria original pode ser encontrada neste link.


Lembrando que o nosso amigo possui três blogs diferentes que estão nos links abaixo.


Um breve release do Luiz feito pelo próprio:

Sou músico e escrevo matérias para diversos Blogs. Aqui neste Blog particular, reúno minha produção geral e divulgo minhas atividades musicais. Como músico, iniciei minha carreira em 1976, tendo tocado em diversas bandas. Atualmente, estou atuando com Os Kurandeiros.

Sem mais, vamos ao texto do Luiz

Marcenaria (1º Álbum) - Por Luiz Domingues


Os tempos atuais são tão desoladores no âmbito cultural em geral no Brasil e no mundo, que chega a causar estupefação que ainda haja artista que empenhe-se em perpetrar obras com substância artística inquestionável e nesse caso, agrega-se um fator a mais a enaltecer-se : a incrível resiliência que demonstra ter, com tal determinação.
É o caso do sexteto “Marcenaria”, que produz um som de extrema complexidade e baseado num caldeirão tão vasto de boas e diferentes influências, que torna o seu trabalho, um verdadeiro exemplo de que ficar nos lamentos pelas redes sociais, em nada ajuda-nos a vencer a guerra contra o baixo astral do show business dominado por gente deliberadamente comprometida com a subcultura, anticultura e afins. O negócio é dar apoio a quem está trabalhando firme, mesmo sem respaldo algum dos grandes meios de comunicação e mesmo assim, mostrando seu valor, que é muito grande, caso dessa banda. Ecléticos e polivalentes, os componentes do Marcenaria são todos multi instrumentistas com extrema destreza nos muitos instrumentos que tocam, cada um, e diga-se de passagem, eles também mantém trabalhos paralelos com outras bandas de carreira (o ótimo “Cosmo Drah”, é um exemplo) e trabalham como side man de artistas importantes.


Neste seu primeiro trabalho fonográfico, o Marcenaria transborda sua musicalidade riquíssima em todas as faixas, fazendo uma amálgama forte entre a urbanidade, e as tradições rurais do Brasil. As músicas interligam-se, sem que no entanto o disco seja assumidamente conceitual ou no formato “ópera”, mas simplesmente a conexão existe e tudo é reforçado pelo apoio de um esmerado trabalho gráfico que mescla o conceito “Comics” ou História em Quadrinhos, melhor dizendo. Não trata-se de nenhuma novidade estética, muitos artistas já usaram desse expediente anteriormente, basta uma rápida consulta aos registros na história do Rock, contudo, não vejo mal algum em reutilizar-se o mesmo recurso e basta usar de criatividade para deixar a marca pessoal, e é o que acontece nesse trabalho, com ilustrações de qualidade e texto amarrado inteligentemente, usando as letras das canções.
Sobre o nível instrumental dos componentes, qualidade das canções e sofisticação dos arranjos, sob esses parâmetros citados, é altíssimo. Não surpreendeu-me em nada, já esperava por isso quando recebi o disco em mãos, e como se não bastasse tal fato, ainda fazem vocalizações em harmonia muito sofisticadas, ou seja, algo muito fora do padrão do que ouve-se no mundo mainstream das emissoras de rádio FM ou na televisão e devo observar, ainda bem ! Os rapazes não estão nem aí para os padrões da música pasteurizada que os marqueteiros determinam que o povo vá ouvir. Maravilha, a preocupação é fazer arte e eles cumprem seu objetivo com galhardia e devo acrescentar, hombridade artística.

Sobre as faixas, são 12 canções muito intensas, apresentando sofisticação musical ímpar, belas harmonias; além de melodias e letras buscando signos do folk brasileiro (entenda isso pelo sentido amplo do termo “Folk”), misturando à urbanidade / modernidade das grandes metrópoles.


Em “Intro”, as convenções com acentos mostram força logo no início. Gostei muito das trocas de ritmos e fórmulas de compasso, mostrando destreza instrumental. A brasilidade evocada é nítida e lembrou-me bastante os bons momentos do “Som Imaginário” de Wagner Tiso & Cia., de outrora. Hermeto Pascoal creio que também encaixar-se-ia como influência. Vocais em harmonia muito bonitos e o som de viola caipira passeando com os sopros intermitentes, são muito ricos. E fora o fato de que frases agressivas executadas por guitarra, baixo e bateria, com instrumentos de sopros cortando tudo em passeios assim, são puro Prog Rock, na tradição de bandas como o "Gong" e "Van Der Graaf Generator", entre outras que usavam tal prerrogativa, certamente 

A faixa seguinte, “Meio Tom Acima do Chão” tem muita inspiração na dita psicodelia nordestina dos anos setenta. Não obstante o fato de evocar Lula Cortes, tem elementos sofisticados que muito lembram o Jazz fusion brasuca de Egberto Gismonti, pleno de brasilidades e virtuosismo. As intervenções de sopros são belas ao extremo, garantindo um colorido ininterrupto, como se uma revoada monumental de pássaros coloridos passasse pela janela enquanto ouvimos a faixa. Gostei muito de um solo de guitarra ao estilo “backwards” que é executado sobre uma batida tribal e linha de baixo num “looping” meio caribenho. E o parte final vai para a quebradeira total (ótimo !). Chamou-me a atenção um trecho da letra : 

“Lei de Newton, debaixo da castanheira, um banzeiro na minha cabeça... 
as vezes pareço andar meio tom acima do chão”...

Acho que uma imagem assim espelha bem a proposta da banda em buscar a poética das raízes, sob o viés da amálgama urbana.

Em “Guarânia”, trata-se de fato de desse gênero musical sulamericano / paraguaio / guarany, mas claro, sob uma sofisticação instrumental que a faz mais parecer uma música do "Jethro Tull", tamanha a profusão de detalhes e pegada Progger Rock. Gostei muito do solo de flauta, executado por Claudia Rivera, uma instrumentista convidada especial da banda. E a letra / linha melódica e também interpretação, eu diria, tem uma lembrança forte do trabalho do Zé Rodrix, a meu ver, bem daqueles discos solo dele dos anos setenta, que se o leitor nunca ouviu, conclamo-o a procurá-los no You Tube. É aquele toque de urbanidade que o saudoso Rodrix tão bem sabia dar no seu recado e o Marcenaria parece ter recuperado, ainda bem.

A faixa “Vire o Disco !” tem na sua proposta uma crítica ácida, mas muito pertinente à inércia da atual juventude. Todo mundo com olhos e dedinhos que não desgrudam dos celulares, mas de conteúdo bom que tal interação sócio tecnológica poder-se-ia resultar, nada, absolutamente nada !! E nesse deserto de ideias, chega a ser indecente termos tanta tecnologia disponível para que a imensa maioria fique hipnotizada por futilidades múltiplas. Portanto, a metáfora proposta pela letra é muito boa, ao utilizar a imagem do velho disco de vinil e sua inevitável necessidade gerada de obrigar o ouvinte a vira-lo na pick up, a cada término de lado executado.

“É hora de virar o disco, esse lado já se acabou. 
Levante o corpo do sofá e o braço da vitrola”.

Muito boa a mensagem, faça alguma coisa edificante, senhor "abduzido" das redes sociais...
Musicalmente, essa faixa fez lembrar-me bastante o som da banda Prog Rock brasileira dos anos setenta, “Terreno Baldio”, pela mescla de virtuosismo instrumental "Progger", com brasilidades. Sopros e violas caipiras passeiam o tempo todo.

A faixa seguinte, “O Trem” tem um sabor Blues, todavia pelo viés de um “quase” reggae. A proposta da letra lembrou-me o Zé Ramalho de seus mais inspirados trabalhos e um solo de guitarra, de arrepiar, trouxe o elemento Rock com muita força.

“Bruxismo”, tem fortes elementos do Jazz-Fusion, lembrando-me inicialmente o trabalho do “Weather Report”, mas como a pegada dos rapazes é de Rockers, acredito que soe mais Jazz-Rock, algo na linha do “Soft Machine”. Admirável a quebradeira ao longo das mudanças bruscas no tema. Tem algo de experimental bem na tradição dos compositores malditos da MPB setentista, bem naquela predisposição nonsense de artistas como Tom Zé; Jards Macalé & Walter Franco, com direito a intervenções de vozes e risadas. Muito bom, meninos, sabemos desde os anos setenta que loucura pouca é bobagem.

“Teste de Viola” é um tema instrumental e parece que o “Captain Beyond” foi tocar com violeiros caipiras, tamanho o peso Hard-Rock (em alguns trechos) e uma tremenda performance da viola. Um longo interlúdio, pleno de climas dá espaço para os solos.

“Fusa Roceira” tem uma base harmônica bastante sofisticada, com ótimos vocais em harmonia, percussão criativa e lembrou-me bastante os primeiros trabalhos do Alceu Valença, quando este era menos “pop” e mais instigante como artista, eu diria. As intervenções de guitarra ao final, lembraram-me o som cerebral de Robert Fripp e gostei muito do final épico, que despertou-me a lembrança da sofisticação do “Wishbone Ash”. Bacana o piano, incluso.

“Pessoas de alumínio e cobre, presas de jacaré e pedra. 
Só para descobrir. 
Mais um ponto do encerado pra eu arrochar. 
Mais um ponto do mistério pra eu descobrir”...

Uma letra que deixa bem clara a dicotomia da visão da vida moderna, pelo viés da sabedoria caipira. A pensar-se...

A canção “Chuva”, traz efeitos muito interessantes no seu início. Gostei da onomatopeia que fez-me recordar de uma linhagem melódica da MPB, que simplesmente não existe mais e até meados dos anos 1960, era ouvida em profusão no rádio e na TV. Gostei bastante da linha de bateria e baixo, com um sentido de preenchimento de espaços muito criativo. Fora as múltiplas convenções super técnicas. Tem climas jazzísticos acentuados, igualmente.

Na canção “Rinha de Galo”, a proposta é aparentemente mais regional, com acordeon, mas o Marcenaria não abre mão de seu esmero instrumental e logo entram elementos experimentais diversos. Gostei muito de uma desdobrada proeminente, e logo a seguir, um solo de guitarra ultra anos sessenta, que dá a impressão que Randy California ou Jorma Kaukonen foram trazidos por uma máquina do tempo, direto do palco do Fillmore West, de San Francisco em 1968, para o estúdio. Muito legal. Ótimas as convenções finais e com o belo solo de sax, dobrado.

Na faixa seguinte, “Camping de Noel”, é muito clara a semelhança com os trabalhos mais experimentais / psicodélicos dos primeiros discos dos Mutantes, com direito à robustez dos arranjos do maestro, Rogério Duprat. Mais uma vez, as vozes fazem um belo trabalho em harmonia.

A última canção do álbum tem um título conclusivo : ...”Mas no Final”..., uma ideia interessante, sem dúvida em dar ao ouvinte, um norte do que pretendem, com a obra. Na letra, fala-se :

“Olhou para si, olhou para o céu. 
E se pôs a lembrar tudo o que aconteceu quando então saiu de si em sua Marcenaria”...

Muito bacana dar essa opção para que o ouvinte faça de sua auto reflexão um mergulho, cada qual em sua “marcenaria”, ou seja, sua própria vida. Pela metáfora da oficina e das ferramentas todas à disposição para a livre manipulação e criação de seu caminho / obra / vida.
Sobre a sonoridade dessa canção, soa como um baião bastante sofisticado e com elementos no arranjo que muito recordou-me o som do “Ave Sangria”, uma banda nordestina dos anos setenta, infelizmente pouco citada, mas muito relevante. O final da canção tem mais uma vez um sabor “Van Der Graaf Generator”, muito bonito, a meu ver.


O Marcenaria é formado por Anderson Ziemmer (voz; guitarra; clarinete e percussão); Augusto Miranda (voz; guitarra; viola caipira; violão e flauta transversal); Bruno Costa (sax soprano e tenor); David Forell (voz e bateria); Elton Amorim (baixo; violão; acordeon; piano e viola caipira); Paulo Costa (voz; clarinete baixo; clarinete soprano; sax tenor e percussão).

Além da versatilidade da banda, ainda convidaram músicos para colaborar, casos de Claudia Rivera (Flauta Transversal); Clara Andrade (percussão) e Renato Amorim (guitarra).

Gravado no estúdio X, com Giorgio Karatchuk na operação do áudio; Thiago Nacif na mixagem e André Ferraz na masterização. Criação e lay out final de capa e encarte por Augusto Mendonça. Produção executiva por Marcelo Spindola Bacha. Selo : Melômano / Rock Company.

No cômputo geral, trata-se de um álbum com excelente áudio; é moderno, com pressão e definição, mas apresentando timbres bastante próximos de uma sonoridade mais “vintage” (viva !!). A qualidade musical da banda impressiona muito, tanto no nível instrumental quanto vocal, além da elaboração de arranjos sofisticados e letras com poética muito além da pasmaceira pasteurizada da música mainstream dos tempos atuais de 2017.

Contato direto com a banda, via E-mail : 
marcenaria@gmail.com

O Site oficial da banda :
https://www.bandamarcenaria.com

Eis abaixo, o álbum na íntegra para o leitor conhecer esse trabalho : 


O Link do álbum na íntegra, no You Tube :

Facebook :

É isso pessoal!
Espero que vocês curtam esta incrível banda indicada e resenhada pelo meu amigo Luiz Domingues. O grande "barato" de fazer esta coluna é conhecer bandas como a Marcenaria.
Abraços e até a próxima coluna!


sexta-feira, 19 de abril de 2019

Artigos & Resenhas - Eu, o Estranho / Pepe Bueno - Por Luiz Domingues


Olá pessoal!

Estamos de volta com mais uma coluna Artigos e Resenhas aqui no nosso site. Dessa vez o sensacional Luiz Domingues nos fala sobre o álbum do baixista Pepe Bueno "Eu, o estranho". Vale a pena conhecer o trabalho deste inquieto músico apresentado pelo Luiz.

A matéria original pode ser encontrada neste link.

https://luiz-domingues.blogspot.com/2016/05/eu-o-estranho-pepe-bueno-por-luiz.html

Lembrando que o nosso amigo possui três blogs diferentes que estão nos links abaixo.

http://luiz-domingues.blogspot.com.br/
http://blogdoluizdomingues2.blogspot.com.br/
http://luizdomingues3.blogspot.com.br/

Um breve release do Luiz feito pelo próprio:

Sou músico e escrevo matérias para diversos Blogs. Aqui neste Blog particular, reúno minha produção geral e divulgo minhas atividades musicais. Como músico, iniciei minha carreira em 1976, tendo tocado em diversas bandas. Atualmente, estou atuando com Os Kurandeiros.

Sem mais, vamos ao texto do Luiz

Eu, o Estranho / Pepe Bueno - Por Luiz Domingues



Pepe Bueno, é baixista de uma banda de Rock chamada, Tomada, que já conta com uma carreira longeva na cena Rocker paulistana. Super ativo como músico; produtor musical e envolvido também com audiovisuais, é irrequieto por natureza e não obstante o fato de batalhar arduamente por sua banda, encontra fôlego para trabalhos musicais paralelos em regime solo. 

Em 2008, lançou seu primeiro álbum solo, “Nariz de Porco não é Tomada”, numa clara alusão em tom de brincadeira com o nome de sua própria banda. E nesse trabalho, já surpreendeu positivamente ao fugir do clichê de que disco solo de baixista tem que ser inteiramente instrumental e calcado em Jazz-Fusion, recheado de solos de baixo. Pelo contrário, tratou-se de um disco repleto de canções com teor Rock e apelo pop convidativo. 

Agora (2016), lança um novo trabalho solo e surpreende mais uma vez, ao trazer elementos os mais diversos, ainda que a formatação seja a de um conjunto de canções curtas, algumas com potencial radiofônico, até. 

Não obstante o que citei acima sobre o caráter pop de algumas canções, seu novo álbum investe bastante em psicodelia; experimentalismos e loucuras em geral, lembrando os primeiros álbuns dos Mutantes em muitos aspectos.

Com muita qualidade nas composições e arranjos, o álbum prima também pelo alto padrão instrumental, pois Bueno cercou-se de ótimos músicos a acompanhá-lo como banda base, além de alguns convidados pontuais e sensacionais. Contando com Alberto Sabella (teclados, guitarras) e Junior Muelas (bateria e percussão), componentes da excelente banda “A Estação da Luz”, como seu núcleo base, Bueno também contou com quatro guitarristas da pesada (Denny Caldeira; Xande Saraiva-Baranga-; Edu Gomes e Pi Malandrino); as cantoras Renata Ortunho (também componente da Estação da Luz), e Débora Camiotto; além do vocalista Fernando Fish (ex-componente da Estação da Luz).

Com um time desses, tendo boas composições nas mãos e arranjos criativos na cabeça, não tinha como dar errado, e de fato, não deu outra mesmo, tratando-se de um excelente álbum.



A primeira faixa se chama “Se Abra” e cabe uma explicação em relação ao seu título, visto ter uma segunda intenção em tom de homenagem prestada. Além da ideia de “se abrir ao som” como sugere inicialmente o título, foi também a maneira pela qual Pepe Bueno homenageou o saudoso baixista, Renê Seabra (Se Abra...), que era muito amigo dele e de quase todo mundo no meio Rocker de São Paulo, incluso este que vos escreve. Tema instrumental, passeia pelo Jazz-Rock setentista com intenções funkeadas, mostrando muita versatilidade musical. Apresentando uma introdução que lembra bastante o trabalho de Frank Zappa, tem uma linha de baixo intrincada, com intervenções muito ricas da guitarra e sobretudo pelos teclados pilotados por Alberto Sabella, que usou seu arsenal setentista sensacional, de forma soberba. Tem clavinete swingado; um piano muito Chick Corea; órgão Hammond esquizofrênico a La Ken Hensley, e um solo de baixo muito louco para derreter os miolos do ouvinte. Aliás, para introduzir a entrada do referido solo, uma frase emblemática (e engraçada), que era um bordão criado e usado pelo grande Renê, é pronunciada : -“Hey, Bro, liga o phodalizer”, uma pilhéria que sempre arrancou risadas de quem o ouvia falar isso. É de fato, a única intervenção vocal da faixa, que é instrumental. Junior Muelas, que é um dos meus bateristas prediletos na cena Rocker brasuca moderna, é tão seguro e preciso, quanto esperamos dele, e ainda colocou uma intervenção de percussão com cowbell e reco-reco, estratégica, trazendo um molho todo especial em alguns trechos.  

E lá vamos nós de encontro à segunda faixa, chamada “Rotina”, com uma deliciosa pegada, ao melhor estilo das influências sessentistas que buscavam inspiração nos anos trinta do século passado. É folk; bucólico; silvestre,  lembra Donovan, Beatles, e tem seu sabor de Rock Rural, como se estivéssemos no interior de Minas ouvindo um disco do Sá; Rodrix & Guarabyra, numa casa no campo. Gosto muito da docilidade do Mellotron a la Beatles, desenhando junto com a voz principal e os backing vocais. É bem divertida também a intervenção do baixo de Bueno, usando um recurso bem exagerado (Synth Bass, na verdade), numa condução típica de música Folk, realçando-a. Muito bacana o órgão Hammond "limpo", sem caixa Leslie, ao estilo “igreja”, que aparece vez por outra. Tem muitos detalhes de cordas, incluso um lap steel (executado pelo próprio Bueno, que aliás, pilotou vários violões e guitarras no disco todo), bem caipira e bem legal, é claro... Letra muito hippie, gosto dessa suposta ingenuidade perdida, mas que suplanta em muito a insistência de letristas pessimistas ao pintar o mundo de cinza.

“Deixe o sol entrar na sala, abra a porta ou deixe um vão; 
raio de luz mostra a vida, mais simples que a escuridão”...

Fecho com o “mahatma” Harrison nessa questão de deixar o sol entrar, sempre...portanto, vai é que sua Pepe Bueno !

“Vale Dizer” é outra canção “beatle” (mas tem um quê de Small Faces nas entrelinhas, também), de pegada mezzo folk, mas a despeito de numa primeira impressão que tive, a opção por ter ficado logo a seguir da anterior ter sido errada, pela quase similaridade estilística, ao ouvi-la com atenção, minha impressão dissipou-se por completo. Muitos elementos da teia beatle de sonhos lúdicos estão ali representadas. Solo de cravo trazendo o elemento erudito via George Martin; Melloton doce a la "Strawberry Fields"; trechos em staccato; órgão Hammond; baixo de timbre grave e aveludado marcando tônica e quinta, ou quarta abaixo; e guitarras pesadas a realçar partes mais dramáticas. Lembrou-me também muitas canções da carreira solo do Ringo Starr, sempre alimentada pela cordialidade e genialidade de seus amigos...

A quarta faixa se chama “Bem à Vista”. Apostando no ritmo 6/8, tem uma condução de baixo e bateria muito envolvente. Os teclados brilham muito; o órgão Hammond lembra muito bandas de Hard Rock setentistas como o Uriah Heep; Jane; Lucifer’s Friend e outras, com peso e saturação. Gosto da parte B, muito dramática, num crescente harmônico. É melancólica a melodia, principalmente pelo fato de ser realçada pela letra poética (“A escuridão vai chegar/E eu não vou me preocupar/Em acender a luz e sim em esperar/O dia amanhã ser e o sol/Chega cedo e brilha forte/Pedindo o seu espaço”). Lembrou-me pela intensidade, a cadência de “1921”, do disco Tommy, do The Who. Os backing vocals são sensacionais, com um desenho de notas esticadas em mínimas e semínimas, lembrando muito o trabalho vocal dos irmãos Nardo, nos bons tempos de Rita Lee & Tutti Frutti. 

“Última Prova” tem um baixo com timbre sensacional, e riff ganchudo que lembra bastante os trabalhos solos de George Harrison. Muelas e Sabella brilham muito. Gostei bastante da base de guitarra, também, com uma densidade rara, mas sem cair na tentação dos timbres modernosos e crunchados de bandas de orientação pesada, pelo contrário, bem vintage (e por isso agradou-me, é claro, ha ha ha...).

“Tudo o que queria” é a sexta faixa do disco e investe no country Rock. O timbre do órgão Hammond e do piano são puro The Band. É como se Richard Manuel e Garth Hudson tivessem-na gravada, mas certamente que jogaram suas bênçãos sobre Alberto Sabella. Tem ótimo refrão e apoio da guitarra nessa canção.

“Pote de Mal” é um tremendo Blues-Rock em 6/8, com influências as mais nobres, passeando entre o Humble Pie; Mountain, Ten Years After; Robin Trower; Rory Gallagher  etc etc. Muito bacana o vibrato da guitarra em alguns trechos. Curti toda a loucura experimental a La Whole Lotta Love, do Led Zeppelin, no meio da canção, e o solo de guitarra é de arrepiar.

Por fim, a última faixa é emblemática ao bojo da obra toda. Justificando a temática que evoca a estranheza psicodélica, na canção “O Estranho”, Pepe Bueno chuta o pau da barraca e aposta as suas fichas na rodada final do seu carteado, com muito experimentalismo; estranheza & psicodelia. Lembra muito o trabalho de bandas como o Gong; Can; Mutantes nos seus primeiros tempos; trabalhos  solo de Syd Barrett, e com a intervenção vocal de Débora Camiotto numa locução anárquica, traz a lembrança do trabalho de Arrigo Barnabé. Completamente louca, é uma faixa instigante que fecha bem o álbum e justifica seu título, como uma ode à loucura. 

O disco foi gravado em dois estúdios. Parte no Área 13, de São José do Rio Preto / SP, estúdio de Alberto Sabella que pilotou a gravação, e parte no Cakewalking, de São Paulo, do não menos ótimo, Edu Gomes, que também fez a pilotagem dos botões. 

O áudio ficou muito bom, moderno com "level" alto, embora em alguns momentos eu tenha achado que a voz solo de Pepe Bueno tenha ficado numa briga com o instrumental. Vejam, sou um Rocker inveterado e detesto o conceito pop  / comercial de se colocar a voz solo muito acima do instrumental, e pelo contrário, cresci ouvindo discos de bandas de Rock clássicas com conceito oposto, de vozes quase no mesmo patamar dos instrumentos. Mas senti em alguns trechos uma certa dificuldade na inteligibilidade das letras. Claro, pode ter sido proposital para realçar a estranheza proposta na obra, conceitualmente portanto.  

Sobre a capa, cabe um parênteses. Assinada por Fábio Mata (que também assinou a capa do CD debut da Estação da Luz), é um dos melhores trabalhos dos últimos tempos, numa colagem muito criativa. Fazendo jus ao mote geral da obra, trabalha a ideia da estranheza expressa através de conceito surrealista, apresentando uma ilustração emoldurada como um quadro de exposição, mostrando a perturbadora figura de dois homens numa mesa de restaurante, mas sob a égide do surreal.  

Ambos trajados à moda dos anos quarenta, causa estranheza o rosto de um deles fatiado em camadas como a insinuar a metáfora das subpersonalidades descoladas, e o outro, com cabeça de elefante (insinuando o panteão hinduísta talvez, seria Ganesh ?), deixando derramar um copo de leite, que se espalha pela tela. Fora os detalhes (cogumelos no drink; a capa do primeiro álbum do Pepe Bueno sobre a mesa etc). Conclusão : é estranhamente belo...

A mixagem do disco foi feita por Alberto Sabella e o próprio Pepe Bueno, com masterização a cargo de Daniel “Lanchinho”, em São Paulo. Foto por Victor Daguano.

Assinam a produção geral, junto a Pepe Bueno, Alberto Sabella e Junior Muelas.

O disco não foi lançado em versão física, no CD tradicional e Bueno justifica que tal iniciativa nos dias atuais com o CD em decadência, não faz sentindo mais. Penso igual, registre-se. Não descarta no entanto, que no futuro haja um lançamento na versão em vinil, o velho LP. Como o mercado é volátil (e estratégico enquanto capitalista), quem nos garante que o CD não tenha um revival mais para frente, também ? Registre-se, também.

Por enquanto, o negócio é ouvir a versão que o disco tem em plataformas como o Spotify e Deezer, por exemplo.

Bueno já produziu e lançou um vídeo-clip, louquíssimo por sinal, da música “O Estranho”, disponível no You Tube e Vevo.  Promete lançar um para cada canção, nos próximos meses.
Eis o clip de "O Estranho" :



Veja também o clip do Making off da gravação do álbum "Eu, o Estranho" :





Para conhecer melhor esse trabalho, procure informações na página de Marcelo “Pepe” Bueno no Facebook :
https://www.facebook.com/PepeBuenoRock 

O disco na íntegra, no Spotify : 



Contato direto com Pepe Bueno :

peperockista@gmail.com 

Eis aí mais um trabalho que eu recomendo, certamente !

Abraços e boa leitura!

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2019

Artigos & Resenhas - Teko Porã - Por Luiz Domingues


Olá pessoal!

Estamos de volta com mais uma coluna Artigos e Resenhas aqui no nosso site. Dessa vez o sensacional Luiz Domingues nos fala sobre o álbum de estreia do Teko Porã, artistas de rua, uma cultura muito difundida em diversos países do mundo, incluindo o Brasil, que aos poucos vai entendendo esta importante forma de arte. Vale a pena conhecer o trabalho desta banda apresentada pelo Luiz.

A matéria original pode ser encontrada neste link.
https://luiz-domingues.blogspot.com/2016/02/teko-pora-por-luiz-domingues.html

Lembrando que o nosso amigo possui três blogs diferentes que estão nos links abaixo.
http://luiz-domingues.blogspot.com.br/
http://blogdoluizdomingues2.blogspot.com.br/
http://luizdomingues3.blogspot.com.br/

Um breve release do Luiz feito pelo próprio:
Sou músico e escrevo matérias para diversos Blogs. Aqui neste Blog particular, reúno minha produção geral e divulgo minhas atividades musicais. Como músico, iniciei minha carreira em 1976, tendo tocado em diversas bandas. Atualmente, estou atuando com Os Kurandeiros.

Sem mais, vamos ao texto do Luiz

Teko Porã - Por Luiz Domingues


Artistas de rua são muito comuns na Europa, Estados Unidos e outros países, não necessariamente de primeiro mundo, mas claro, predominantemente neles. No Brasil, cujo povo se arvora de ser multifacetado, culturalmente  falando, e supostamente aberto a manifestações culturais não usuais, na prática, ainda existe um preconceito enorme para com artistas que se expressam nas ruas, estações de metrô e outros locais públicos.
Nos últimos anos esse panorama tem melhorado, não posso negar, mas acredito que ainda esteja muito aquém do ideal. Em São Paulo, onde vivo, percebo que os espaços públicos vem sendo ocupados por muitos artistas de diversas vertentes, fazendo suas performances nas praças públicas e estações do Metrô. Já vi de tudo: de atores declamando monólogos a mágicos fazendo pequenos sketches de ilusionismos; muitos artistas de vocação circense realizando exibições acrobáticas; além de muitos artistas plásticos pintando, desenhando, etc.
Mas a grande predominância da arte de rua fica por conta mesmo dos músicos e de fato, aumentou muito a frequência de artistas tocando e cantando nas ruas de São Paulo nos últimos anos.


Salutar pelo aspecto da livre expressão artística, tem também seu lado obscuro, na medida em que não obstante ser uma experiência rica para o artista estar exercendo sua arte em meio ao povo nas ruas, denota também a absoluta falta de oportunidades para a maioria esmagadora, que simplesmente vive à margem da difusão cultural mainstream e por conseguinte, das chances para apresentarem-se em teatros; casas de espetáculos; centros culturais com a infra estrutura de som; luz; cenografia; camarins e conforto para o seu público poder apreciar sua obra de forma integral.
Nesses termos, tenho visto artistas de diversos ramos da música criando situações de total improviso para se apresentarem. De bandas de Rock sensacionais a combos de Jazz e Blues com músicos de alto quilate técnico; músicos de orientação de MPB na base do violão & voz; grupos folclóricos latino americanos com instrumentos típicos; corais e percussionistas afrobrasileiros.

Um grupo que me chamou a atenção e cujo disco de estreia, homônimo, chegou às minhas mãos por intermédio do Rocker; ator, e agitador cultural, Kico Stone, é o Teko Porã.


Já os conhecia de vista, vendo-os circulando por estações do metrô, notadamente as que mais uso, perto da minha residência, estações Ana Rosa e Vila Mariana. Jovens bem apessoados, com visual de artistas saltimbancos, mezzo-ciganos / mezzo Hippies sessentistas, chamam a atenção andando pelas redondezas, carregando seus instrumentos.
Na formação desse primeiro EP, (já foi um sexteto anteriormente), trata-se de um quarteto vocal e instrumental, formado por dois rapazes e duas moças, que utilizam instrumentos acústicos tradicionais (violão; violão de 7 cordas; violino; bandolim; acordeom; bandoneón; vários instrumentos de percussão etc). Nas estações de metrô onde costumam se apresentar, tocam suas canções autorais e muitas releituras de clássicos da música brasileira e internacional, encantando os transeuntes que se dispõe a perder alguns minutos de sua vida acelerada, ouvindo boa música.


Primeiro ponto : são ótimos instrumentistas e vocalistas. Nem todo mundo que toca na rua tem essa qualidade, e isso já é um mérito a mais para o Teko Porã.
Segundo aspecto : no caldeirão de influências que sua obra se baseia, só tem exemplos ótimos.
Ouvindo seu EP de estreia e vendo os vários vídeos disponíveis de suas performances ao vivo pelas estações do Metrô e praças públicas, fica patente que cresceram ouvindo música Folk de diversas etnias e culturas; MPB da Velha Guarda; música de raiz caipira; Jazz Cigano; Soft Rock das décadas de sessenta e setenta, e mais uma série de coisas absolutamente incríveis e fora do esquadro da anticultura / subcultura que domina o panorama cultural do Brasil há anos. Isso explica o fato de não estarem na mídia, apesar do talento enorme que tem, fora a capacitação musical milhas acima da média. Por um lado, ainda bem que não compactuam com o status quo dessa perversidade cultural que domina a difusão mainstream, por outro, padecem pela falta de reconhecimento e apoio que merecem ter.

Sobre o EP, a produção é muito enxuta, gostei demais do áudio, privilegiando os timbres naturais de instrumentos acústicos. Tem a pressão sonora de uma gravação digital moderna, mas nada que comprometa a extrema doçura das canções, e sobretudo os timbres dos instrumentos e vozes desses artistas. A capa é muito bonita, apresentando um tecido bordado, multicolorido e com o nome da banda num relevo, em destaque. É simples, mas muito funcional e expressiva no sentido de que denota na imagem e nas cores, o colorido multicultural que é a proposta artística do Teko Porã. Aliás, cabe acrescentar que a expressão “Teko Porã", significa “Bem Viver”, no idioma indígena “guarani”.

Sua formação fixa atual é a de um quarteto, com Marília Calderón (voz; guitalelê; acordeom; bandoleón); Pablo Nomás (violão de 7 cordas); Juan Morales (bandolim) e Fernanda Leal (violino). No disco, tiveram a presença de dois ex-componentes da banda, como André Ladeia (violino), e Léa Gonçalves (violino), além de terem convidado quatro músicos em participações especiais : Renan Monteiro (percussão); Antonio de Souza (violino); Fabio Aguiar (trompete), e Rafael Massi (washboard).


O disco foi gravado em três estúdios: Mosh; Carbonos, e Mono Mono, com a mixagem e masterização concluída no Carbonos. 
O projeto da capa ficou a cargo de Maria Renata Morales.    
Produção de Heron Coelho e Teko Porã.

A primeira faixa do disco é : “A Velha Nova”.
Tendo o violino como protagonista a desenhar sua melodia primordial, gostei muito do arranjo, com as cordas dando suporte com pausas estratégicas, e um staccato dramático na parte B, que realçou demais a composição. É folk europeu em essência, mas notam-se amálgamas múltiplas, misturando conceitos. Tem muito de música cigana do leste europeu, mas também algo de andino, sutil. Lembra as imagens de Chaplin, no sentido de que seu vagabundo adorável tem muito a ver com as andanças do próprio Teko Porã pelas ruas de São Paulo, a espalhar beleza e doçura em meio ao caos urbano agressivo do cotidiano. É muito bonita a construção da melodia principal e André Ladeia brilha com sua técnica ao violino.

“Quem Souber” é um achado. 
Lembra de certa forma o trabalho do Grupo Rumo no início dos anos oitenta, onde havia uma grande preocupação de se fazer música com conceitos nada comerciais, buscando referências em aspectos só valorizados normalmente por musicólogos, e portanto circunscritos aos grupos acadêmicos de estudiosos da universidade.Nessa circunstância, a canção tem um sabor de MPB da Velha Guarda, com uma brejeirice deliciosa, e a voz de Marília Calderón nos proporciona tal viagem. É como se estivéssemos num trem Maria Fumaça de antigamente, rumo ao interior do Brasil no início do século XX, curtindo todos aqueles signos inerentes da cultura de tal época. Absolutamente incrível. Lembra em alguns aspectos, uma canção infantil, principalmente pelo desenho fragmentado da melodia, dividindo sílabas, quase como se tivesse intenção pedagógica. Mas há o contraponto, quando nas partes B e C, a melodia assume um formato mais intenso, num jogo de palavras dos mais interessantes.
Gostei bastante das intervenções do bandolim com toques flamenco, de Juan Morales, demonstrando técnica e versatilidade e a harmonia muito bonita só valorizou suas intervenções. Pablo Nomás também solta a mão com seu violão de 7 cordas em intervenções curtas, mas muito bonitas, além de Fernanda Leal ao violino, ser ótima.

“Quem Souber não me dirá
Qual a hora de partir
Seu lugar onde será
Você tem que descobrir”

Só pelos primeiros versos da canção, dá para imaginar que a melhor coisa é ouvir tudo e descobrir sozinho o prazer dessa imersão poética.

“Folhas Caídas” passeia entre a toada; o madrigal renascentista e o Pop Rock sofisticado que há anos eu não escutava, desde o trabalho dos Secos & Molhados, além de um certo “quê” de Folk americano via Bob Dylan, mas podia ser também o Zé Ramalho em seu Chão de Giz, tranquilamente. Pelos créditos do encarte do álbum, suponho serem de Antonio de Souza as intervenções com seu violino entre o erudito e o cigano, mas soltando algumas frases que remeteram-me ao Blue Grass lá do Mississippi. 

“Até onde vai a vista
Só pântanos e neblina
Nem um pássaro se arrisca a cantar
Há folhas caídas em chamas, e nós cavando a grama com a pá” 

Apesar da letra ter proposta lúgubre, claro que há beleza nessa poesia, gostei muito.

“A Peste da Dança” tem a providencial participação do percussionista Renan Monteiro. Gostei bastante desse elemento a mais para a canção. Instrumental, tem seu lado cigano forte, mas também uma irresistível influência Yiddish. Agradaria numa festa cigana e também num Bar Mitzvah, acredito.

A quinta faixa, também instrumental, tem o explícito título de “Samba Eslavo”. 
Muito animada, mais parece eslava na prática, e se tem algo de brasuca nessa receita, talvez seja nas sutilezas do violão de sete cordas e na percussão, ainda que nada que seja explicitamente brasileiro tenho sido insinuado pelo percussionista convidado, Renan Monteiro.  

Já em “Solidão do Joca”, a música de raiz do interior calou fundo. Absolutamente adorável a toada caipira com os instrumentos de cordas se esbaldando nos seus respectivos arranjos, buscando elementos típicos dessa egrégora. É como escutar uma velha canção da Inezita Barroso, com uma letra espirituosa a misturar signos prosaicos com referências da cultura pop moderna.

“Tava em casa solitário cabulando academia, quando o noticiário anunciou...epidemia
Descobri que era doença aquela minha solidão, fui no Dr. pedir licença pra tomar medicação 
Dessa doença eu não entendo, tinha mais de mil amigos todos os dias...no Facebook"...

“Navio Canção” lembra um fado de certa forma, mas tem alguns elementos que remetem até ao Rock progressivo, ouso dizer, principalmente no violino do convidado especial, Antonio de Souza que busca fraseados cerebrais em alguns momentos, que fizeram-me lembrar de David Cross no King Crimson; ou mesmo Ray Shulman no Gentle Giant.

“Poucos Acasos” mergulha no Jazz festivo de New Orleans, com aquele sabor creole, sensacional. Pablo Nomás comandou a interpretação vocal com bastante firmeza. Espertíssimas as intervenções de músicos convidados, no caso, Fabio Aguiar ao trompete e Rafael Massi no Washboard. Gostei muito da melodia principal e do arranjo geral da canção.
A letra trouxe algo de antropológico, numa primeira leitura, mas é também o fruto das observações deles mesmos, acredito, vendo as pessoas apressadas passando ao seu redor em suas apresentações em lugares públicos, em seu frenesi cotidiano, lutando numa vida massacrante em eterna busca pela sobrevivência, e tendo como melhor perspectiva, alguns prazeres hedonistas, apenas.

“Todos em volta sempre a olhar
Os poucos acasos que devemos passar
Cada um deles com suas circunstâncias
Novas perspectivas, poucas esperanças
Nascer, crescer, perpetuar
Envelhecer, morrer aqui”...

Em suma, um disco adorável de estreia e por ser curtinho, na verdade um EP, nos deixa com vontade de ouvir mais, ansiando por um novo trabalho em breve.


Nem só de apresentações de rua eles tem se valido, soube que já tocaram em unidades do Sesc, o que é ótimo e lhes dá a estrutura que sua arte merece. Mas, deixo a ressalva de que precisam de muito mais apoio do que tem obtido, pois um trabalho dessa qualidade precisa alcançar camadas maiores do público, sem dúvida.

Existem vários vídeos do Teko Porã no You Tube, mostrando suas apresentações em estações de Metrô, e muitas dentro dos vagões em movimento, além de apresentações nas ruas e praças. Um documentário bem curtinho fala sobre o trabalho desse jovem grupo folk, com depoimentos bacanas e trechos de suas apresentações regulares.


E abaixo, o álbum homônimo, objeto desta resenha, para degustação do leitor / ouvinte :


Para maiores informações do trabalho do Teko Porã, acesse sua página no Facebook :
https://pt-br.facebook.com/TekoPora

Contato direto com o Teko Porã :
projetotekopora@gmail.com

Eu recomendo o Teko Porã, com ênfase !

Abraços e boa leitura!

terça-feira, 15 de janeiro de 2019

Artigos & Resenhas - EP Carcere / Gandharva - Por Luiz Domingues


Olá pessoal!

Estamos de volta com mais uma coluna Artigos e Resenhas aqui no nosso site. Mais uma vez temos uma matéria do sensacional Luiz Domingues, na qual ele nos fala um pouco sobre o EP Carcere da banda Gandharva, vale a pena conhecer os trabalhos destas bandas indicadas pelo amigo Luiz. 

A matéria original pode ser encontrada neste link.
http://luiz-domingues.blogspot.com/2016/01/ep-carcere-gandharva-por-luiz-domingues.html

Lembrando que o nosso amigo possui três blogs diferentes que estão nos links abaixo.
http://luiz-domingues.blogspot.com.br/
http://blogdoluizdomingues2.blogspot.com.br/
http://luizdomingues3.blogspot.com.br/

Um breve release do Luiz feito pelo próprio:
Sou músico e escrevo matérias para diversos Blogs. Aqui neste Blog particular, reúno minha produção geral e divulgo minhas atividades musicais. Como músico, iniciei minha carreira em 1976, tendo tocado em diversas bandas. Atualmente, estou atuando com Os Kurandeiros.

Sem mais, vamos ao texto do Luiz

EP Carcere / Gandharva - Por Luiz Domingues


Como eu sei que as aparências enganam, não me deixei levar por deduções precipitadas assim que recebi o EP (para quem não sabe, trata-se um disco com uma porção mais reduzida de canções do que um CD tradicional), “Carcere”, do Gandharva, uma banda paulista vinda de Atibaia, no interior, mas logo aí, bem pertinho da capital de São Paulo.
Isso porque o título da obra, e a ilustração da capa em si, sugeriam algo explicitamente claustrofóbico, com um ar angustiante de liberdade limitada. Numa imagem difusa, uma pessoa com feições indefinidas, está na janela aparentando estar num momento de agonia, sem escapatória e cercada de mãos ameaçadoras que denotam opressão, violência, ameaça...
Em outras épocas, sem a prudência que o avançar da idade me trouxe como bônus de experiência de vida acumulada, eu já chegaria à conclusão que o trabalho da banda rezava pela cartilha do Punk-Rock ou do Heavy-Metal, mas antes de fazer conjecturas antecipadas, coloquei o disco para tocar e aí, a sonoridade surpreendeu-me agradavelmente.


Da esquerda para a direita : Anderson Xavier (bateria); Nikolas Rupa 
(Voz e Violão); Wellington Pires (Percussão e Voz), e Marc Matherson (baixo)

O Gandharva já inova pela formação primordial, pois consiste de violão; baixo; bateria, e percussão, portanto a ausência de uma guitarra já se mostra como algo não usual, numa primeira leitura.
Ouvindo canção após canção, verifica-se que a sonoridade é leve, mas não se furtam a alguns momentos mais pesados, e mesmo sem o “drive” da guitarra, expressam densidade de uma forma bastante convincente.
Outro ponto importante é que a banda apresenta múltiplas influências boas, portanto dentro desse ecletismo, alcançam um resultado que agrada em cheio ouvintes de orientações sonoras díspares entre si, sem nenhum problema. Ótimos músicos, imprimem uma condução cheia de swing em vários momentos do disco; densidade dramática em outros, como já mencionei, e delicadeza, com muitas sutilezas harmônicas e melódicas através dos bons arranjos que criaram coletiva e individualmente.


Gostei também da interpretação vocal e das letras, com questões de ordem existencialistas na maior parte do tempo, e aí justifica-se o título do álbum, e a concepção da capa, exprimindo a ideia da angústia; cerceamento da liberdade; falta de perspectivas etc. 
Mesmo abordando temas sombrios, não achei que o astral abaixou ao ouvir as canções, e pelo contrário, é uma audição agradável pela qualidade musical que conseguiram criar e executar.

A primeira faixa,“Me Faça”, tem uma levada de Blues-Rock, mas com concepção moderna, densa. Gostei muito da percussão criativa de Wellington Pires, e de fato, um percussionista de ofício e que se proponha a pensar seus arranjos no contexto das canções, tem que ser aplaudido, pois tais intervenções se jogadas a esmo, podem até estragar o resultado final de uma gravação, mas aqui, muito pelo contrário, caem como uma luva. A voz de Nikolas Rupa, que também é o violonista da banda, mostra-se agressiva, arranhada, com forte emissão e dá o recado com contundência. Tem uma guitarra dando apoio, mas que na verdade se trata de um violão, que passou por plug-ins de simulação de amplificadores e foi executado pelo músico convidado, Filipe Rocha. Gostei das suas intervenções delicadas com solos de timbres limpos, e um bom uso de slide. A bateria de Anderson Xavier é enxuta, gostei muito da precisão e da clareza dos timbres agudos dos tambores e caixa. Marc Matherson faz um baixo encorpado, muito seguro, realçando bem a condução das canções. Segura tudo na retaguarda, garantindo uma direção firme para a banda.

Já na segunda faixa, “Vida Longa”, uma bela incursão por algo próximo da MPB, com influências boas e nítidas. Numa excelente condução do violão, os demais vão junto e passeiam pelas dinâmicas interessantes que a canção oferece. Mais um vez uma guitarra limpa, e que lembrou-me o timbre de Mark Knopfler, trouxe colorido à canção. A voz do percussionista Wellington apoia em duo em alguns momentos, tornando a melodia ainda mais incisiva. Gostei da letra, bem poética :

“Vasto vento sopra o corpo todo em movimento”...
“Cada despedida, cada tentativa, um dedo na ferida”...

Na terceira faixa, “Carcere”, que dá título ao EP, eis o peso que mencionei no início da resenha. Denso, trata-se de um riff que lembra muito o som grunge dos anos noventa, notadamente de uma banda como o “Alice in Chains”. Gostei bastante da melodia e a mudança brusca da parte “A” para o refrão, saindo da densidade soturna, para algo bastante doce, melódico. Tem um teclado sutil, lá no fundo da mixagem, colocado como uma sombra quase imperceptível, mas que dá um incrível colorido à canção. O baixo de Matherson desenha bonito, numa linha bastante criativa, e a percussão alterna momentos de explosão incríveis na condução das congas, com calmaria em outros instantes, portanto, eu curti muito esse arranjo. Apesar do título, a letra não descamba para coisas angustiantes, embora marque presença, com personalidade.   

“Não aceito mais teu jogo sujo,
Não me aceito mais me ver no escuro
Não aceito mais me ver de luto”...

Gostei do forte sabor Folk da canção “Vida Nova”, mas mesclado ao Rock urbano. Nos momentos mais rurais, as cordas e a percussão brilham, trazendo dedilhados do violão dos mais agradáveis e na parte mais pesada, mais uma vez as sonoridades mais modernas se fazem presentes. Interpretação vocal visceral de Rupa, tem letra muito interessante. Gostei bastante da frase “Tem gente com medo que o medo, acabe”, pois isso é muito perturbador de se ouvir, mas é uma das maiores verdades para quem vive a loucura da vida urbana, em meio ao caos social da atualidade. Uma afirmação dessa monta é para fazer pensar, numa reflexão das mais pertinentes.

“Lobo em Pele de Cordeiro” é um blues rasgado, forte na concepção musical ao ponto de induzir o ouvinte a embarcar nele, viajando longe. “E não me fale com persuasão, pois o meu tédio não tem emoção” desvela as relações efêmeras que não levam a nada. Se isso é viver encarcerado numa mentira existencial, o recado está dado.

 "Viva a Diferença”, parece a canção mais pop do álbum, mas na verdade tem uma seriedade indiscutível. Gosto da melodia e parece ser uma marca estilística do Gandharva compor canções que transitam entre partes densas e doces, o que considerei um mérito. Mais uma vez aparece um teclado, desta feita mais proeminente, na forma de um rápido solo de órgão Hammond, ou um simulador dele, mais provavelmente, numa boa e certeira intervenção. “Viva a diferença, viva a liberdade, viva a sua vida, conquiste a sua parte”...mais um bom recado, sem dúvida.

No cômputo geral, o trabalho do Gandharva tem qualidade, mostra-se criativo e executado por bons músicos, compositores, cantores e arranjadores. 
Esse trabalho foi gravado no estúdio Box Music, com direção geral de Nikolas Rupa e produção de “Jibóia”. Masterização de Balieiro. 
Gostei do áudio do disco, com timbres bem definidos, peso, clareza e sem excessos de frequências que geralmente sobressaem-se após o processo da masterização.
Além dos quatro componentes citados, Filipe Rocha tocou teclados e violão como músico convidado.
O projeto gráfico ficou a cargo de ID Make Media.


A palavra “Gandharva” em sânscrito, significa na cultura indiana baseada nos “Vedas”, um tipo de casamento arrumado pelas famílias, sem interferência dos noivos na escolha um do outro.
Espero que o Gandharva tenha uma longo casamento, portanto, e que seus componentes continuem fazendo suas escolhas sonoras livremente, ao contrário do que a palavra sugere, em sua carreira, e lance mais trabalhos de qualidade artística como este.

Para quem quiser ouvir o som da banda:
https://soundcloud.com/banda-gandharva-oficial
Abraços e boa leitura!